Salvador teve 1º semestre mais chuvoso em 36 anos, diz diretor-geral da Codesal

Salvador registrou em 2020 o primeiro semestre mais chuvoso em 36 anos. É o que informa o diretor-geral da Defesa Civil de Salvador (Codesal), Sosthenes Macêdo. Em entrevista ao BNews realizada no início da tarde da última sexta-feira (3), ele conversou sobre o índice de chuvas verificado em Salvador nos primeiros seis meses deste ano e fez um balanço das ações do município na última “Operação Chuva”, cujo decreto foi assinado pelo prefeito ACM Neto (DEM) em março.

“Nosso monitoramento apontou que tivemos um acumulado entre junho e março de 1540,8 mm, que superou em mais de 56% a média esperada para o período”, afirmou. Macêdo complementa que dentro deste semestre, abril acabou despontando como o mês que registrou mais chuvoso em 14 anos.

Dados reunidos pela Codesal apontam também que esse foi o mês mais chuvoso dos últimos seis, registrando um índice pluviométrico de 545,5 mm. Na sequencia, despontam os meses de maio, março e junho – com 454,2 mm, 271,1 mm e 270 mm, respectivamente. Sob a coordenação geral da Secretaria de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis) e coordenação executiva da Codesal, a iniciativa envolve diversos órgãos dentro do Sistema Municipal de Defesa Civil.

O objetivo central da ação é preparar a capital baiana para enfrentar o período tradicionalmente mais chuvoso do ano, verificado entre março a junho. “Esse ano batemos todos os recordes. Foram mais de 10 mil vistorias realizadas no período da operação chuva entre março e junho. Isso mostra que nossa comunicação com a população vem funcionando. A população vem entendendo a necessidade de chamar a codesal para fazer a vistoria e afastar o risco às suas vidas”, avaliou.

Macêdo destaca que as vistorias, atendimentos, foram realizados em plena pandemia do novo coronavírus, garantindo a segurança dos profissionais envolvidos. Ele conta que adaptações foram realizadas nas viaturas do órgão possibilitando que os membros das equipes lavassem as mãos com água e sabão – além do uso de álcool gel e máscara. Além disso, a Codesal também promoveu a entrega de máscara e água sanitária em comunidades de Salvador.

“Graças ao bom Deus deu tudo certo. As áreas de risco da cidade passou por problemas, mas as vidas foram salvas, de forma que todas as localidades em que acionamos sirenes não houve registro de vítimas fatais”, concluiu. Atualmente, a Codesal conta com 52 pluviômetros instalados pela capital baiana, e essa estrutura permita ao município monitorar com maior precisão onde está chovendo e em que intensidade. Leia a íntegra da entrevista abaixo:

BNews – No final do último mês, o senhor havia me dito brevemente sobre o pluviômetro de Ondina, que ele é o único com mais de trinta anos de operação em nossa cidade e que essa longevidade tornava possível realizar essa média climática. Eu queria começar pedindo que o senhor explicasse como surtiu a iniciativa de produzir uma análise do primeiro semestre de 2020 – se é algo produzido semestralmente -, e descrevesse a metodologia por trás desse relatório.

Sosthenes Macêdo – O pluviômetro não é nosso. Ele é do Instituto Nacional de Meteorologia. Esses estudos meteorológicos de onde você tira a média climática – chamada de normal climatológica – é uma matéria na meteorologia . Não é algo genérico da gestão, mas específico da meteorologia, que a gente utiliza como parâmetro para preparar a cidade e conhecer melhor os índices para cada época do ano em Salvador.

Dessa forma, já existe um histórico, por conta desses estudos, por conta desse acompanhamento ao longo dos últimos 30 anos [notamos que] entre os meses mais chuvosos em Salvador estão abril, maio e junho. Dessa forma, o prefeito ACM Neto decreta a operação chuva já em março, com serviços de aferição, limpeza de canais, manutenção, fazendo poda de árvores, limpeza de caixa de sarjeta, microdrenagem.

A Codesal faz vistoria do plano preventivo de redução de desastres. Isso tudo se dá para que quando chegarmos efetivamente nesses meses mais chuvosos, a cidade esteja melhor preparada. Essa operação chuva ela reforça as equipes. Então, quando o prefeito assina esse decreto, todas as equipes começam a trabalhar. A Codesal já faz isso o ano inteiro, mas a gente reforça a quantidade de pessoas em nossos plantões.

Mas as demais equipes do sistema municipal de proteção e defesa civil – seja as equipes de manutenção, da Secretaria de Desenvolvimento, a Sedur, a Guarda Municipal, Transsalvador, Sempre, Prefeitura-Bairro – elas reforçam suas equipes e colocam todos os seus em alerta.

BNews – Eu ia questionar o senhor sobre isso mais adiante, mas como o senhor entrou nessa questão, a Codesal coordena um trabalho de contenção que envolve outros tantos órgãos municipais – Limpurb, Sedur, Sempre. Existe um trabalho de vistoria nas comunidades, educação da população, inclusive com intervenções nas escolas. De que forma esse trabalho contínuo colaborou para que vocês passassem pelo período de chuvas que costuma ser no outono?

Sosthenes Macêdo – No sul e no sudeste, eles vão começar a ter agora esse problema. A gente, nesse período que passou. Claro que não afasta a possibilidade de pancadas de chuva com tivemos em novembro do ano passado.

BNews – Houve aquela chuva bastante intensa também no final de dezembro, que acabou inclusive abreviando um dos dias do Festival Virada Salvador.

Sosthenes Macêdo – Exatamente. Tivemos granizo no dia 1º deste ano. Pela primeira vez registrado em Salvador. Calcule! Mas isso é fora da regra que a gente calcula, até porque mudanças climáticas estão em curso. Mas, voltando, a defesa civil todos os anos se prepara o ano todo na perspectiva da prevenção.

Ontem e anteontem estive em campo inclusive em localidades nas quais temos moradores capacitados em nossos Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil. Esses núcleos tem a finalidade de preparar aquela comunidade, apontar para aqueles moradores da área de risco que se conheçam os seus problemas. Passamos orientações básicas de segurança, para que eles possam analisar quando estão em risco ou não. Saber se uma fissura pode se tornar uma rachadura, e levar ao afundamento e desabamento de uma edificação – ou um deslizamento de encosta.

Isso tudo eles aprendem em um curso que ministramos e formamos esses voluntários, que terminam fazendo parte dessa base voluntária da Codesal. Essa é uma área de atuação muito importante somada a outra que é o programa de defesa civil nas escolas, que tem como finalidade formar uma nova cultura de defesa civil na vida de nossas crianças, para que cresçam homens e mulheres conhecedoras do problema e possam em si mitigar os riscos das comunidades em que vivem.

Todo esse trabalho de prevenção é feito somado a uma outra frente de trabalho que nós temos que é o conhecimento das áreas de risco, o mapeamento de ocupação. Hoje nós temos 110 áreas mapeadas, estudadas pela Codesal, que conta com acompanhamento constante de nossas equipes. Destas, nós temos aquelas que são as mais ariscadas, com 11 sistemas de alerta de alarmes instalados – vocês conhecem por sirenes. Acionamos nesse período de 2020 por 10 vezes.

Temos também estações hidrológicas que nos permite acompanhar o maior rio de Salvador que é o Camarajipe – que vai de São Caetano ao Jardim dos Namorados.

Isso tudo somado a duas estações meteorológicas que nos permite acompanhar a velocidade dos ventos, o clima. Tudo isso para que as equipes de campo tenham maiores condições de ter um poder de resposta quando essas intemperes chegarem na cidade. Temos um quadro reforçado. O prefeito conseguiu montar uma equipe de profissionais de diversas áreas – engenheiros civis, agrónomos, de segurança, ambientais, sanitaristas, meteorologistas. Essa gama de profissionais das mais diversas áreas nos permite estudar, de forma científica os diversos problemas da cidade.

Isso tudo para que quando as chuvas chegarem a cidade esteja preparada com a instalação de geomantas. Temos quase duas centenas de geomantas instaladas em toda a cidade desde 2016. A Codesal realizou a contensão de encostas construídas pela secretaria de infraestrutura através da Sucop, preparando a cidade como um todo. A Seman limpando os canais e fazendo a poda de árvores; a Limpurb realizando a retirada de vegetação inadequada das encostas e colocação de lonas.

Isso tudo para que no momento das chuvas nós tenhamos menos problemas – e que se tivermos, isso não gere problemas para a população. Isso vem dando certo. Quando chega o período das chuvas claro que temos uma grande quantidade de solicitações. Esse ano batemos todos os recordes. Foram mais de 10 mil vistorias realizadas no período da operação chuva entre março e junho. Isso mostra que nossa comunicação com a população vem funcionando. A população vem entendendo a necessidade de chamar a Codesal para fazer a vistoria e afastar o risco às suas vidas, suas famílias. Com isso, a gente afasta riscos e reduz as chances de sinistros com vítimas fatais.

Ocorreu, por exemplo, em uma das localidades em que acionamos a sirenes no mês de abril, lá na região de Castelo Branco. Uma das famílias em que nós apontamos que deveria sair da sua casa, estava já abrigada em uma escola e uma semana depois a casa veio a desabar. Então, é um trabalho cirúrgico muitas vezes, mas de conscientização, de acolhimento dessas pessoas para que elas entendam a importância de sair quando orientadas por uma equipe da Codesal.

BNews – O senhor falou que foram pouco mais de atendimentos realizados nesta operação chuva. Mas voltando a conclusão principal do que foi observado pelo senhor e sua equipe, que esse foi o primeiro semestre mais chuvoso em 36 anos. Anteriormente, o senhor havia me dito que o abril de 2020 foi o mais chuvoso dos últimos 14 anos. Esse foi um período no qual houve deslizamento de terra em deslizamentos de terra – inclusive com o registro de mortos e feridos em Águas Claras – e o soar de sirenes em algumas localidades de risco…

Sosthenes Macêdo – Nesse caso, é bom deixar claro que não se tratava ali de uma área de risco. Ali foi um episódio isolado. Infelizmente, houve uma soma de fatores – plantio de vegetação inadequada (bananeira) e lançamento inadequado de água por parte do imóvel da cota superior. Isso é importante ficar claro, pois não se configura como área de risco.

BNews – Certo. Minha pergunta era mais no sentido de que com mais chuva, se espera que vocês tenham tido também mais trabalho. Em relação ao ano passado, por exemplo, o quão esse volume de chuvas verificado interferiu no número de atendimentos?

Sosthenes Macêdo – Em abril nós tínhamos a perspectiva, pela média climatológica, de 295,7 mm. Em localidades como Matatu, tivemos 720,2 mm. No Caminho das Árvores, tivemos 712,8 mm. No Centro, 707,7 mm. No Retiro, 693,4. Perceba que foram, em alguns locais, quase que três vezes mais do que o esperado. É muita chuva. Vale salientar que março já havia sido muito chuvoso e que o solo já estava encharcado. Nosso monitoramento apontou que tivemos um acumulado entre junho e março de 1540, 8 mm. Que superou em mais de 56% a média esperada para o período.

Quanto à pergunta, é um pouco também da política do órgão. Quando assumi a Codesal, pensei “Eu prefiro ter mais trabalho antes, do que ter trabalho depois”. Trabalho é modo de dizer, porque aqui a gente trabalha o ano inteiro. Assumi em 2017, mas antes da minha chegada, não fui eu quem realizou a operação chuva naquele ano. Tivemos 4799 vistorias realizadas entre março e junho de 2017. Em 2018, acrescemos para 6596. Em 2019, ampliamos para 7747. E agora em 2020, para 10055. Ao que atribuo esse crescimento: Sem sombra de dúvidas a uma melhor comunicação junto a população, o que os programas educativos funcionaram.

As pessoas estavam mais abertas para aceitar… Por exemplo, as pessoas não ligavam – e veja que loucura, mas era a realidade – porque entendiam que se ligasse, e houvesse risco, a Codesal ia mandar elas saírem para demolir a casa. Na hora de pesar o que era mais importante, muitas vezes acabava sendo o imóvel. A gente realizou um trabalho de conscientização para elucidar que o que havia de mais importante era a vida, e que se preciso fosse sair de casa para preservar a vida, era isso que deveria ser feito. Então, um dos fatores que a gente atribui esse crescimento é, sem sombra de dúvidas, a conscientização das pessoas do risco – e, com essa conscientização, os pedidos de vistorias. Essas pessoas deixavam acontecer, apostavam para ver, esperavam até o último momento para solicitar algum tipo de vistoria.

Isso é sintomático. Nessa semana houve um soterramento de uma área em que estava sendo realizada uma obra – não foi chuva nem nada. Na sequencia nós recebemos umas cinquenta ou oitenta solicitações de vistorias, em um dia de sol, por ameaça de desabamento. Sempre que há algo que chama mais atenção, que oferece maior visibilidade, as pessoas se colocam naquela situação e, com medo de que ocorra algo arriscado em suas vidas, pedem a vistoria. Não deveria ser assim, a solicitação deveria ser de forma preventiva. Isso aumentou muito nos últimos anos, graças ao trabalho de aproximação com essas comunidades.

BNews – Para concluirmos, gostaria de perguntar se existe algum tipo de previsão para o segundo semestre que se inicia. Os Centros Estaduais de Meteorologia do Nordeste e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) divulgou um prognóstico conjunto de tendência climática para o Nordeste brasileiro, visando os meses de julho, agosto e setembro de 2020. A conclusão é que as chuvas devem oscilar entre o normal e acima da média. O senhor acredita que a tendência seja de fato essa, qual a expectativa para os próximos meses?

Sosthenes Macêdo – A perspectiva é essa mesma. Esses estudos, eles se conversam. […] Existe um trabalho colegiado justamente para enxergar como se dará o trimestre. Chuvas acima da média estão previstas para o período de julho, setembro, outubro e dezembro de 2020. […] Por outro lado, esses mesmos modelos apontam para a continuidade de águas mais aquecidas sob os oceanos do atlântico norte e do atlântico sul. Essas condições acabam sendo favoráveis para a ocorrência de chuvas, em boa parte no leste e nordeste baiano. Isso, só para ficar claro, diz respeito ao histórico, e não em relação ao que passou. O que passamos, não devemos ter no segundo semestre. Isso diz respeito aos outros anos, neste mesmo período.

BNews – Então, em resumo, não existe uma perspectiva de repetição de padrão do primeiro semestre no restante do ano.

Sosthenes Macêdo – Não. Isso é conversado cotidianamente e não há a menor chance. Agora, o que há sim, é que observando o histórico dos últimos anos, existe a possibilidade pontual de chuvas muito fortes, como vimos no ano passado, retrasado e no anterior também. Lembro que assumi a Codesal em setembro de 2017, e na época havia a possibilidade de chuvas no dia 2 de novembro. Em setembro, já havia uma perspectiva de chuvas em 2 de novembro. Há uma distancia de quase dois meses, um mês e meio.

Claro que em previsões mais longínquas, a margem de acerto é menor. Uma tendência não significa uma certeza. Temos a tendência já estudada para a minha equipe para o mês de julho, e essa tendência aponta para que teremos uma vidinha normal. Entre seis e nove podemos ter uma pancada de chuva mais forte, entre 18 e 21 também. Mostrar maiores possibilidades de chuva não quer dizer que serão pancadas de chuva registradas em abril, por exemplo. Agora, podemos sim ter fenômenos em setembro, outubro e novembro de forma muito específica, com aconteceu em 2019, 2018 e 2017 em determinados pontos da cidade.

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