SEMANA DOS POVOS INDÍGINAS / “O grito de Diôra: Vozes indígenas que a história tentou calar”
POR Silvia Marques, Assistente Social

A história da bisavó Diôra, registrada oficialmente como Agda Maria de Jesus, é um poderoso testemunho das violências sofridas pelos povos indígenas — especialmente as mulheres — ao longo da história do Brasil. Seu percurso de vida carrega marcas profundas de apagamento, deslocamento forçado e imposições culturais, mas também ecoa a força e a resistência de um povo que sobreviveu apesar de todas as tentativas de erradicação.
A narrativa começa ainda no século XVI, quando os Aimorés, também conhecidos como Botocudos, foram expulsos do Sul da Bahia por ordem do então governador-geral do Brasil, Mem de Sá (1550-1570). A região de Ilhéus foi palco de perseguições brutais, incluindo massacres noturnos e incêndios em aldeias, promovidos para consolidar o avanço da colonização sobre os territórios indígenas.
Esse evento marcou o início de um processo traumático de migração, em que os sobreviventes buscaram abrigo em áreas mais interiores, como o sertão da Bahia. A história da indígena Diôra é resultado direto desse deslocamento. Ela nasceu no final do século XIX, já na região do Rio Gavião, na Fazenda Lagoa da Volta, no atual município de Piripá, indicando que sua família conseguiu, com dificuldade, reconstruir um lar após séculos de perseguição.
Contudo, a violência não cessou. Diôra foi capturada ainda criança, por volta dos 6 anos, durante uma ação brutal organizada pela família de José Marques de Oliveira. Ela foi caçada com cavalos e cães até ser separada de seus pais, que, dias depois, retornaram e submeteram-se aos captores apenas para permanecer próximos da filha. A captura violenta e a separação familiar causaram feridas profundas, refletindo o ciclo contínuo de violência física e emocional vivido pelos indígenas.
Um dos aspectos mais dolorosos dessa história é o apagamento da identidade de Diôra. Seu nome indígena foi substituído por um nome cristão, Agda Maria de Jesus, e ela foi forçada a se casar com Isidório Marques de Oliveira, sendo inserida em uma nova dinâmica social e cultural que não escolheu. Mesmo nesse ambiente hostil, marcado por violência doméstica, Diôra sobreviveu. Teve 11 filhos — 5 mulheres e 6 homens — e formou uma grande família, deixando inúmeros descendentes. Faleceu em 4 de janeiro de 1952.
Diôra representa mais do que uma trajetória individual. Ela simboliza a luta silenciosa de muitas mulheres indígenas cuja história foi apagada ou distorcida pelos registros oficiais. Compartilhar sua história é um ato de resistência e de justiça histórica — uma tentativa de honrar a memória dos povos originários e trazer à tona as feridas ainda abertas da colonização.
Este relato não é apenas uma homenagem pessoal à bisavó Diôra. É também um apelo por memória, reparação e reconhecimento das injustiças históricas cometidas contra os povos indígenas do Brasil.
Silvia Marques, Assistente Social – Especialista em Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Cordeiros-Bahia.