Artigo do Levon: Brasil infernal

Por Levon Nascimento

O Brasil de hoje, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, é como as cenas descritas por Dante Alighieri, literata renascentista italiano, que escreveu a Divina Comédia.

Bolsonaro governa pelo bem dos ricos e para o mal dos pobres. Sem tirar dos ricos nem por aos pobres.

Tudo piorou em seu governo.

Órgãos de combate à corrupção foram desmontados e/ou cooptados.

O Auxílio-Brasil, apresentado com pompa e circunstância como substituto do Bolsa-Família, é uma armadilha para os pobres, pois o decreto presidencial que o estabeleceu acrescenta seu fim para 31 de dezembro de 2022; além de permitir a consignação de empréstimos bancários, a promover uma escravização bancária futura da população vulnerável após o término da vigência.

A única casa de moradia do pobre, por iniciativa de Bolsonaro, poderá ser tomada da família pelos banqueiros multibilionários, em caso de inadimplência do trabalhador. Espera-se que os senadores derrotem essa crueldade, já aprovada pela base bolsonarista na Câmara dos Deputados.

Produzidos em real, ao custo dos baixíssimos salários nacionais, os combustíveis e os alimentos são cotados em dólar, quintuplicando de preço. Abastecer e comer agora são situações de escolha vital para os brasileiros.

Trinta e três milhões estão a passar fome, e mais de 60% com algum tipo de dificuldade para conseguir a cesta básica, gerando famílias vulneráveis e sem segurança alimentar. Nisso, percebe-se que nunca houve um governo que investiu tanto contra a família quanto o de Bolsonaro. É falso-moralista, defende a instituição familiar da boca para a fora, mas na hora do vamos ver, deixa-a à própria sorte (ou azar).

O desemprego é assustador e o endividamento das famílias é recorde.

Não houve atuação do presidente para conter a pandemia, só estímulo à contaminação em massa. Ele não quis confinamento sanitário e tampouco cuidou da economia, como sempre regurgitava no cercadinho do Alvorada. Terceirizou sua responsabilidade para as costas de governadores, prefeitos e da oposição. Nada era consigo. Perguntado sobre as centenas de milhares de mortes por Covid-19, zombou: “E daí? Não sou coveiro”. Psicopata?

As intolerâncias patriarcal, religiosa e policial, especialmente contra mulheres, pobres, pretos, indígenas e LGBTQIA+, subiram exponencialmente. E o governo não implementa políticas públicas de redução e erradicação.

Órgãos de defesa do meio ambiente e de apoio aos povos indígenas desmontados, desautorizados e invadidos, justamente por aqueles que são os vilões do desmatamento ilegal, do genocídio indígena e do narco-garimpo.

As gastanças desregradas nas FFAA, no cartão corporativo presidencial e na família do presidente correm soltas, além do orçamento secreto que compra os deputados e senadores do centrão, ao passo que os instrumentos legais de combate à corrupção criados pelos governos do PT foram aposentados, calados ou ignorados. Para tudo, sigilo. Corrupção como nunca antes em nossa história e, pior, sem investigação e punição.

Ainda assim, conforme a Bloomberg, rede de TV a cabo estadunidense, durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles (Califórnia, EUA), na segunda semana de junho de 2022, o presidente brasileiro pediu ajuda ao colega Joe Biden, presidente ianque, para derrotar Lula na eleição de 2022.

Se alguém tinha dúvidas das intenções golpistas e antidemocráticas do genocida, não as tenha mais. Esse apelo vexatório a um presidente estrangeiro – da maior potência militar do planeta – é crime de lesa-pátria, alta traição à Constituição e à República brasileiras.

Também na Cúpula das Américas, Bolsonaro afirmou a Joe Biden que a produção do agronegócio do Brasil alimenta um bilhão de pessoas ao redor do mundo. Só não corrigiu que essa mesma produtividade exclui de comer 60% dos próprios brasileiros, abandonados por ele à insegurança alimentar, devido à inflação, ao desemprego e ao desmonte dos estoques reguladores de preços de alimentos, por sua própria ordem.

Você deve ser lembrar de quando os bolsonaristas mandavam quem discordava deles para Cuba, Venezuela e Argentina. Gritavam com a certeza de quem nunca leu um livro inteiro que o povo desses países vizinhos vivia a passar fome por conta de um comunismo imaginário, chegando até mesmo a devorar cachorros por falta de mantimentos.

No entanto, quando se sabe que mais da metade dos brasileiros (60%, de acordo com a pesquisa PENSSAN, divulgada em 08/06/2022) tem passado algum perrengue para conseguir comprar comida e que 33,1 milhões de compatriotas estão à mercê da fome, os ditos fanáticos por Bolsonaro fingem que não é com eles. Nem um pio. Quando muito, põem à culpa nos próprios famintos. Imitam Maria Antonieta de França: “Se não têm pão, que comam brioches, ora!”

A violência contra os povos indígenas, sobretudo na região amazônica, atinge níveis escandalosos de crueldade e absurdo. E há a omissão proposital da presença do Estado nacional, como que uma autorização velada (ou propriamente explícita) para que criminosos do agro, do garimpo e do desmatamento atuem como aliados do governo de plantão.

As mortes do jornalista inglês Dom Phillips, brasilianista que escrevia matérias sobre os dramas amazônicos para meios de comunicação europeus e estadunidenses, e de Bruno Pereira, sertanista demitido de cargo de chefia da FUNAI pelo ex-ministro Sérgio Moro (o grande responsável pela eleição de Bolsonaro em 2018), justamente porque fazia bem o seu trabalho, são símbolos inequívocos da inversão moral e criminosa dos papéis: o Estado que deveria dar proteção a quem tenta aplicar a lei é o mesmo que se move vagarosíssimo nas buscas e na segurança das vítimas. E ainda as criminaliza.

Todos os governos e governantes pertencem a estruturas humanas, portanto falíveis, corruptíveis e ao mesmo tempo passíveis de acertos, empatia e vitórias civilizatórias. No entanto, para além da debilidade e/ou ventura humana, o governo Bolsonaro é também um projeto maléfico, anti-humano, diabólico e cruel.

Apoiar esse governo é comprometer mais do que a vontade política pessoal, mas a própria integridade da alma imortal. Quem defende Bolsonaro precisa se converter, de corpo e alma.

Alighieri, certa vez escreveu: “No inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise”.

* Levon Nascimento é professor e escritor. Este é um artigo de opinião.

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