Relatório do Ministério da Defesa: o que é a auditoria das urnas entregue ao TSE

João Conrado Kneipp

Relatório do Ministério da Defesa: Apoiadores de Bolsonaro em um protesto contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou um terceiro mandato após o segundo turno das eleições presidenciais, no Setor Militar Urbano em Brasília, Brasil, 7 de novembro, 2022. (Foto: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty Images)
Relatório do Ministério da Defesa: Apoiadores de Bolsonaro em um protesto contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que ganhou um terceiro mandato após o segundo turno das eleições presidenciais, no Setor Militar Urbano em Brasília, Brasil, 7 de novembro, 2022. (Foto: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty Images)

O Ministério da Defesa deve entregar um relatório de fiscalização das urnas eletrônicas de votação ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nesta quarta-feira (9).

O documento é considerado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) como fundamental para atestar a segurança das eleições, na qual foi derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“O Ministério da Defesa informa que, no próximo dia 9 novembro, quarta-feira, será encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório do trabalho de fiscalização do sistema eletrônico de votação, realizado pela equipe de técnicos militares das Forças Armadas”, diz a nota da Defesa divulgada nesta segunda.

O que é o relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas?

Na véspera do primeiro turno da eleição, o Ministério da Defesa explicou ao TCU (Tribunal de Contas da União) no dia 30 de setembro que coletaria boletins de urna para fazer a checagem da totalização dos votos.

Na resposta ao TCU, a Defesa ainda afirmou que não pretende usar os boletins de urna para fazer as contas e descobrir o resultado final da eleição. O objetivo é apenas conferir se os votos não sofrem alterações durante a transmissão dos dados para o TSE.

No ofício, os militares falam em conferência de dados e não em totalização.

Porque os militares estão fazendo uma fiscalização paralela das urnas?

atuação das Forças Armadas na fiscalização das eleições tem sido utilizada por Bolsonaro para justificar seu esforço de desacreditar as urnas eletrônicas.

Desde antes do pleito, Bolsonaro e seus apoiadores passaram meses fazendo ataques sem provas e sem fundamentos sobre a segurança e a inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Nesse cenário, o presidente passou a citar a fiscalização das Forças Armadas como primordial para concordar com a segurança da eleição.

Agora, com manifestações golpistas eclodindo pelo país, o relatório das Forças Armadas é apontado como “a última tábua” de salvação e sustentação do discurso antidemocrático caso apresente qualquer divergência do resultado divulgado pela Justiça Eleitoral.

Como funciona o relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas?

Depois do fechamento das urnas, técnicos das Forças Armadas fizeram verificações sobre o teste de integridade e a checagem da totalização dos votos, comparando as informações de cerca de 400 boletins de urna de em 153 municípios com os dados que chegaram ao TSE para a contagem.

Os militares informaram que a amostra de cidades não será aleatória. De acordo com os integrantes da Defesa, a definição foi feita seguindo princípios metodológicos de estatística.

As Forças Armadas também trabalharam com um um projeto-piloto com uso da biometria para testar 58 aparelhos acoplados às urnas.

O que são os boletins de urna?

Ao final da votação, cada urna imprime um comprovante com o total de votos nela registrados, os chamados boletins de urna. Uma via deve ser afixada pelos mesários na porta de cada seção eleitoral.

Apesar de ter sido criado com objetivo de funcionar como contagem paralela dos votos, a comparação das somas dos boletins de urna impressos com os resultados contabilizados pelo TSE permite auditar que tanto a transmissão quanto a totalização dos votos ocorreram corretamente.

Relatório do Ministério da Defesa: as Forças Armadas fizeram verificações de cerca de 400 boletins de urna de em 153 municípios. (Foto: Getty Images)
Relatório do Ministério da Defesa: as Forças Armadas fizeram verificações de cerca de 400 boletins de urna de em 153 municípios. (Foto: Getty Images)

Qual foi o resultado do relatório do Ministério da Defesa?

Apesar de o resultado ainda não ter sido divulgado oficialmente, as Forças Armadas não encontraram nenhuma irregularidade no primeiro turno das eleições.

A princípio, os militares avaliavam que os processos apresentaram pequenas falhas, especialmente no teste de integridade. Os problemas, de acordo com os relatos, foram mínimos e não tiveram potencial para prejudicar o resultado do pleito, e poderiam apenas ensejar somente recomendações de aperfeiçoamento ao TSE.

As conclusões do trabalho já teriam sido, inclusive, descritas a Bolsonaro pelo próprio Ministério da Defesa.

Apesar disso, Bolsonaro não autorizou a divulgação dos resultados, relataram três generais, sendo dois do alto comando, a fontes da equipe da coluna da jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo.

Porque o relatório das urnas está sendo divulgado só agora?

Ao saber das conclusões do trabalho, Bolsonaro teria determinado que fosse feito um “relatório completo”, incluindo o segundo turno, porque o fato de não terem sido encontradas fraudes no primeiro turno não significava que não haveria problemas na segunda etapa.

Por tanto, sem o relatório completo, não deveria haver nenhuma divulgação de conclusões, decretou o mandatário.

Diante da ordem, o Ministério da Defesa adotou o silêncio após o primeiro turno das eleições sobre a fiscalização realizada no sistema eletrônico de votação em 2 de outubro.

A mesma postura adotou Bolsonaro logo após o resultado do primeiro turno. Em seu pronunciamento assim que foi oficializado sua ida ao segundo turno contra Lula, o presidente evitou também atacar o resultado do pleito e descredibilizar a transparência do processo eleitoral, ponto tão atacado e explorado por ele durante a campanha.

“Vou aguardar o parecer das Forças Armadas, que ficaram na ‘sala-cofre’ do TSE. Fica a cargo do ministro da Defesa esse assunto (confiança no resultado das eleições)”, disse ele, na noite do dia 2º de outubro.

Urnas eletrônicas: entenda o que é e como funciona a fiscalização do código-fonte

TSE e TCU cobraram Ministério da Defesa por resultado de relatório

No dia 18 de outubro, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, determinou que o Ministério da Defesa apresentasse dentro de 48 horas cópia de documentos sobre a auditoria. Na decisão, Moraes ainda afirmou que é preciso analisar se a conduta da pasta pode configurar “desvio de finalidade”.

Como resposta enviada no mesmo dia, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comprometeu a entregar os relatórios da fiscalização. A promessa, contudo, não foi cumprida. Outro órgão que reforçou o pedido do resultado foi o TCU (Tribunal de Contas da União).

A cobrança de Moraes ao Ministério da Defesa fez Bolsonaro mudar imediatamente de postura. No dia 19, o presidente recuou e negou que as Forças Armadas realizaram uma auditoria das urnas.

“As Forças Armadas não fazem auditoria. Lançaram equivocadamente. A comissão de transparência eleitoral não tem essa atribuição. Então furada, fake news”, disse hoje em entrevista no Palácio da Alvorada.

Ainda no dia 19 de outubro, o Ministério da Defesa afirmou ao TSE que só entregaria o relatório após o fim do segundo turno.

“Ao término do processo será elaborado um relatório contemplando toda a extensão da atuação das Forças Armadas como entidades fiscalizadoras, com os documentos atinentes às atividades em comento. Tal relatório será encaminhado ao TSE em até 30 dias após o encerramento da etapa 8 do Plano de Trabalho”, disse a Defesa.

Relatório completo deve ser entregue só em janeiro de 2023, diz Forças Armadas

Segundo a previsão das Forças Armadas, o relatório completo só deverá ser entregue em 5 de janeiro de 2023.

A última fase está detalhada no plano de trabalho produzido pelas Forças Armadas. No texto, os militares destacam que a fiscalização das eleições foi dividida em oito etapas. A última, que será realizada após o pleito, envolve a “coleta e análise de artefatos relacionados às urnas”.

No documento, as Forças Armadas afirmam que, após a eleição, há novas oportunidades de análise de dados que podem dar “subsídio para identificar anomalias” no processo de votação.

Relatório Ministério da Defesa. (Foto: Agência Brasil)
Relatório Ministério da Defesa. (Foto: Agência Brasil)

O trabalho envolve analisar uma série de conjuntos de dados fornecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com destaque para a comparação dos Boletins de Urna com os RDVs (Registros Digitais de Voto).

O que é o RDV, que será usado pelas Forças Armadas no relatório

O Registro Digital do Voto é um mecanismo que permite recuperar voto por voto para uma recontagem eletrônica. A soma dos votos deve ser sempre igual aos dados do Boletim de Urna. No RDV, os dados são gravados de forma aleatória, para não revelar a ordem dos votantes e garantir o sigilo dos eleitores.

O que diz Bolsonaro sobre o relatório do Ministério da Defesa

Em uma das poucas manifestações sobre o assunto, Bolsonaro afirmou no dia 25 de outubro que, segundo as Forças Armadas, é “impossível dar um selo de credibilidade” ao sistema eleitoral brasileiro.

“Temos uma eleição pela frente e o que nos traz certa confiança é que as Forças Armadas foram convidadas a integrar uma comissão de transparência eleitoral. E elas têm feito um papel atuante e muito bom nesse sentido. Contudo, eles me dizem que é impossível dar um selo de credibilidade, tendo em vista ainda as muitas vulnerabilidades que o sistema apresenta”, afirmou, em entrevista a um podcast conservador dos Estados Unidos.

Após a derrota no segundo turno, Bolsonaro tem adotado uma postura discretíssima. Nos últimos nove dias, Bolsonaro tem se mantido recluso, fez apenas duas aparições públicas e se distanciou do Palácio do Planalto. Até seus apoiadores foram ignorados pelo presidente.

Além do pronunciamento oficial após 48 horas de silêncio depois do segundo turno, o presidente falou a seus apoiadores apenas mais uma vez, em vídeo publicado na última quarta (2), quando pediu o fim dos bloqueios nas rodovias.

Relatório do Ministério da Defesa: o temor do TSE é de o documento não ser contundente em relação à lisura das urnas e ser lido por manifestantes insatisfeitos com o resultado das eleições como uma senha para manter a mobilização. (Foto: Fabio Teixeira/Anadolu Agency via Getty Images)

O que diz o TSE sobre o relatório das urnas do Ministério da Defesa?

Embora o Ministério da Defesa tenha marcado para esta quarta-feira (9) a entrega do relatório, ministros do TSE minimizaram o anúncio por acreditarem que o documento não trará nenhuma informação desconhecida.

O crença baseia-se no fato de que se fosse descoberto algum problema grave com as urnas, os militares já teriam divulgado as conclusões e de forma mais expansiva do que a prevista para amanhã.

“Eles não têm nada para falar. Até porque, se fosse ‘bombástico’, o presidente [Jair Bolsonaro] convocaria coletiva [de imprensa]”, disse ao Metrópoles um influente ministro do TSE que também é integrante do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, integrantes do TSE também temem que o relatório acabe por estimular os atos golpistas espalhados pelo país.

O risco, avaliam integrantes da corte, é de o documento não ser contundente em relação à lisura do sistema de votação e ser lido por manifestantes insatisfeitos com o resultado das eleições como uma senha para manter a mobilização.

Qualquer declaração dúbia, avaliam juízes e técnicos da área de inteligência do tribunal, pode ser suficiente para estimular manifestantes a permanecerem nas ruas. Nos últimos dias, até uma notícia falsa de prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes serviu para dar mais fôlego às mobilizações.

com informações das agências Folhapress, Reuters e AFP

Facebooktwitterredditpinterestlinkedinmail