Oposição Crítica Responsável, “não fuja à luta”!

Por Nilo Silveira

Alguém se lembra desses bordões durante as últimas eleições: “É preciso salvar a democracia!”, ou “A luta contra o fascismo, em defesa da democracia”, e ainda “Quem não apoia a democracia, é linha auxiliar do fascismo!” (essa última até com uma pitada autoritária)? Afinal, quem é que classifica quem é da “democracia” e quem é do “fascismo”? Ou pior, o que significa a democracia para os heroicos brasileiros que lutam pelo pão de cada dia. O fascismo é a oposição à democracia? Não vou aprofundar nessas definições, mas lançar uma outra pergunta fundamental sobre a democracia: Uma democracia saudável sobrevive sem uma oposição crítica responsável?

Bem, quero definir aqui o que eu entendo como oposição crítica responsável: são as forças políticas fora da situação, ou seja, do governo; que fiscalizam as ações governamentais, propõe projetos alternativos, apontam erros, crimes e quebras de promessas eleitorais da situação, buscando a defesa do interesse nacional. Mais uma pergunta indigesta: será que já tivemos uma oposição crítica responsável após a redemocratização política no Brasil? Me refiro aqui a um conjunto de forças políticas estruturadas e financiadas, e não a algumas vozes solitárias que clamam no deserto.

Oposição histriônica, “lacradora”, desacreditada e que fala apenas para sua própria militância, não possui força, autoridade e nem racionalização crítica dos problemas que sejam suficientes para ajustar os rumos de um governo. Muito menos uma oposição que tem “o rabo preso” e que todos sabem o que eles “fizeram no verão passado”.

Dito isso, tivemos alguns soluços de oposições críticas e coerentes no governo anterior, principalmente durante a pandemia do COVID-19. Várias denúncias e, principalmente, ações
políticas e jurídicas contra o governo e seus representantes, como a CPI da Pandemia, representações junto ao Ministério Público Federal, denúncias na mídia corporativa, partidária e até de algumas que buscam alguma independência editorial; além de várias ações jurídicas
partidárias, como as ações do PDT junto ao STF que garantiu parte da autonomia dos municípios e governos estaduais nas ações de combate à pandemia do coronavírus, e outra junto ao TSE sobre o abuso de poder político que levou a inelegibilidade de Bolsonaro por 8 anos.

Eleição vencida, “democracia salva”, e várias medidas absurdas do antigo governo foram revogadas, corrigidas ou revistas: algumas perseguições aos povos originários, aos pequenos
produtores rurais, a desregulamentação do porte de armas, ensino militar nas escolas públicas, entre outros. Atos absurdos, porém, que chegam a ser caricatos, de uma extrema-direita tacanha, ignóbil, de visão estreita e sem nenhum projeto político além do projeto de poder associado a um Estado paralelo.

Passados os primeiros 6 meses do então governo novo, “libertário” e “progressista”, o que temos de diferente? “That’s the economy, stupidy” (como diria o então estrategista de campanha de Bill Clinton), é o que realmente importa. São algumas tentativas confusas, pouco engajadas, e com resultados nada animadores. Tivemos uma onda de positivismo com um resultado exuberante do PIB do primeiro trimestre, todo ele baseado em fatores que nada tinham a ver com nenhuma das ações e medidas humanitárias e compensatórias do atual governo. No segundo trimestre, veio uma ducha de água fria com a queda do PIB, que dissolveu todo esse otimismo.

Arcabouço Fiscal e a “Reforma” Tributária são aperfeiçoamentos da mesma política econômica vigente no país desde o governo FHC. Na verdade, é a única política de Estado que sobrevive aos governos: a Política de Estado Neoliberal. Política econômica de absoluta concentração de renda e enfraquecimento da economia produtiva. Por economia produtiva entendam: abertura de novos comércios, indústrias; geração de mais empregos e mais geração de renda. Mas ouve-se um coro, insosso e sem-vergonha, que tem sim sua razão, porém vem enxarcado de hipocrisia: “Os juros do Banco Central estão muito altos”, ou “Os juros estão atrapalhando a retomada econômica”, e blá  blá blá. Parafraseando James Carville, “São os juros, idiota!”, que congelam qualquer iniciativa de investimento produtivo, que engrossam a fila das famílias e empresas endividadas e que tomam uma enorme parte do orçamento federal via Dívida Pública.

A hipocrisia aqui é que durante a eleição, o próprio PT se comprometeu em manter a diretoria do BC e, uma vez eleito, faz a crítica como se estivesse na oposição. Mesmo com a Lei de Independência do BCi (que faz parte do projeto de Estado Neoliberal vigente), existem meios e contrapesos para influir sobre a política monetária, regulando inclusive o processo de demissão do presidente do BC caso o objetivo de contenção da inflação, sem prejuízo de seus objetivos fundamentais, entre eles fomentar o pleno emprego, não seja cumprido de forma recorrente, o que está ocorrendo. Ora, se existem motivos para as críticas, e existem meios para agir, e quem tem o poder da caneta Bic, além da responsabilidade legal de agir, é quem faz essas críticas, por que nada faz de concreto?

E nesse quadro lamacento, temos raras vozes azedas, que clamam as obviedades no meio de um deserto de lucidez. Uma delas é o ex-candidato Ciro Gomes, que na sua segunda análise semanal diz: “O símbolo disso é a denúncia, dia sim, outro também, por autoridades, começando pelo próprio presidente da República e seus ministros – irradiando para sua militância acrítica – da direção do Banco Central” e, concluindo seu pensamento: “Das duas uma: ou estão jogando para a plateia de forma pouco séria ou estão prevaricando em seu dever de corrigir o “erro” que denunciam”.

Eu discordo da conclusão de Ciro Gomes: independente da primeira ou segunda opções por ele elencadas, há o caso de prevaricação de autoridades governamentais sobre o a imperícia (para dizer o mínimo) da atual diretoria do BC, quanto a gestão da política monetária do país. Isso é claro e até as pedras do caminho já estão polidas de saber! O que estamos esperando para fazer representações ao Ministério Público Federal, Advocacia Geral da União, Defensoria Pública? Já existem assinaturas suficientes para a abertura de uma CPI do BC? Algum partido político já entrou com alguma ação no STF com essa denúncia?

Já antecipo que vários dirão que isso seria um absurdo, que a desestabilização do governo seria prejudicial à nação e beneficiaria a extrema-direita. Concordo em partes, mas a pressão política da CPI da Pandemia foi essencial para mudar minimamente os rumos do governo anterior; que depois da sua instalação se viu forçado a adotar a vacinação em massa, o que trouxe a diminuição dos casos, das internações e de mortes envolvidas com a doença, salvando vidas humanas preciosas.

Além do mais, quando que a “elite” oligárquica brasileira se preocupou por algum instante com o destino do país quando seus interesses tiveram a menor remota chance de serem prejudicados? Infelizmente, não há tipificação penal de “prevaricação” relacionada à falta de oposição crítica responsável. Sofrida “Pátria Amada, Idolatrada”, pobre “Povo heroico” com brado cada vez menos “retumbante”, à espera de um lugar no paraíso, e sem nenhum Messias para se sacrificar em seu lugar.
i https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp179.htm

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