Carolina Maria de Jesus, a escritora estaria completando 105 hoje se fosse viva
Carolina Maria de Jesus (Sacramento, 14 de março de 1914 — São Paulo, 13 de fevereiro de 1977) foi uma escritora brasileira, conhecida por seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada publicado em 1960.
Carolina de Jesus é considerada uma das mais importantes escritoras do Brasil, e também uma das primeiras escritoras negras do Brasil.[1] A autora viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, sustentando a si mesma e seus três filhos como catadora de papéis. Em 1958, tem seu diário publicado sob o nome Quarto de Despejo, com auxílio do jornalista Audálio Dantas. O livro fez um enorme sucesso e chegou a ser traduzido para quatorze línguas.
Carolina de Jesus era também compositora e poetisa. Sua obra permanece objeto de diversos estudos, tanto no Brasil quanto no exterior.
Juventude
Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914, na cidade de Sacramento, em Minas Gerais,[2][3] numa comunidade rural, de pais analfabetos.[4] Era filha ilegítima de um homem casado e foi maltratada durante toda sua infância.[5] Aos sete anos, sua mãe a obrigou a frequentar a escola, depois que a esposa de um rico fazendeiro decidiu pagar seus estudos,[5] mas ela interrompeu o curso no segundo ano, tendo já conseguido aprender a ler e a escrever e desenvolvido o gosto pela leitura.[4]
Mudança para a favela do Canindé
Em 1937, sua mãe morreu e ela se viu impelida a migrar para a metrópole de São Paulo.[5] Carolina construiu sua própria casa, usando madeira, lata, papelão e qualquer material que pudesse encontrar. Saía todas as noites para coletar papel, a fim de conseguir dinheiro para sustentar a família.[5]
Em 1947, aos 33 anos, desempregada e grávida, Carolina instalou-se na extinta favela do Canindé, na zona norte de São Paulo,[4] num momento em que surgiam na cidade as primeiras favelas, cujo contingente de moradores estava em torno de cinquenta mil.[2] Ao chegar à cidade, conseguiu emprego na casa do notório cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, médico precursor da cirurgia de coração no Brasil, o que permitia a Carolina ler os livros de sua biblioteca nos dias de folga. Em 1948, deu à luz seu primeiro filho, João José. Teve ainda mais dois filhos: José Carlos e Vera Eunice, nascidos em 1949 e 1953 respectivamente.[4]
Ao mesmo tempo em que trabalhava como catadora, registrava o cotidiano da comunidade onde morava, nos cadernos que encontrava no material que recolhia, que somavam mais de vinte. Um destes cadernos, um diário que havia começado em 1955, deu origem ao seu livro mais famoso, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960.[3]
Publicação de Quarto de Despejo
Publicado em 1960, a tiragem inicial de Quarto de Despejo foi de dez mil exemplares e esgotou-se em uma semana.[6] Desde sua publicação, a obra vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida em quatorze línguas, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no exterior.[6] Depois da publicação, Carolina teve de lidar com a raiva e inveja de seus vizinhos, que a acusaram de ter colocado suas vidas no livro sem autorização.[6] A autora relatou que muitos dos moradores da favela chegaram a jogar, nela e em seus três filhos, os conteúdos de seus penicos. Definia a favela como “tétrica”, “recanto dos vencidos” e “depósito dos incultos que não sabem contar nem o dinheiro da esmola.”[3][6]
O professor da USP Ricardo Alexino Ferreira caracterizou a escrita de Carolina como “direta, nua e crua, mas, ao mesmo tempo, suave.”[6]
Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de cem mil exemplares vendidos, tradução para treze idiomas e publicados em mais de quarenta países.
Publicação de Quarto de Despejo nos EUA
Em 1962, Quarto de Despejo foi publicado nos Estados Unidos pela editora E. P. Dutton com o título Child of the Dark. No ano seguinte, como parte da coleção Mentor, a tradução ganhou uma edição de bolso, publicada primeiro pela New American Library, depois pela Penguin USA.[7] Segundo o autor Robert Levine, somente das vendas desta edição, que totalizaram mais de trezentas mil cópias nos EUA, Carolina e sua família deveriam ter recebido, pelo contrato original, mais de cento e cinquenta mil dólares.[7] Contudo, não foi encontrado indício algum de que ela tenha recebido sequer uma pequena parte disto.[7]
Pagamento de direitos autorais das traduções
Em março de 1961, uma reportagem afirmou que a publicação de Quarto de Despejo havia rendido a Carolina seis milhões de cruzeiros em direitos autorais, contudo a quantia exata variava, de acordo com a reportagem.[8] É certo que Carolina tinha direito a dez por cento do preço de venda das traduções, com trinta por cento de sua parte reservada a Audálio Dantas; ela recebia pequenos pagamentos em dólares das editoras estadunidenses, mas, por força do contrato original, não podia autorizar traduções de sua obra: este direito fora cedido à editora Paulo de Azevedo, uma filial da editora Francisco Alves.[8]
Saída da favela
Carolina Maria de Jesus, 1960. Arquivo Nacional.
Depois da publicação de Quarto de Despejo, Carolina mudou-se para Santana, bairro de classe média, na zona norte de São Paulo.[6] Em 1963, publicou, por conta própria, o romance Pedaços de Fome e o livro Provérbios.[3] Posteriormente, em 1969, Carolina acumulou dinheiro suficiente para se mudar de Santana para Parelheiros, uma região árida da Zona Sul de São Paulo, no pé de uma colina.[8] Próxima de casas ricas, local de algumas das mais pobres habitações do subúrbio da cidade, com impostos e preços menores, era lá que Carolina esperava encontrar solitude.[8] Parelheiros se caracterizava por fortes contrastes entre ricos e pobres: grandes casarões ao lado de barracos, que, via de regra, surgiam em vales, onde o ar era poluído pelas indústrias da região do Grande ABC.[8] Embora pobre, Parelheiros era o mais próximo que Carolina poderia chegar do interior de sua infância sem deixar São Paulo e suas escolas públicas, para as quais seus filhos iam de ônibus.[8] Agora passando boa parte de seu tempo sozinha, lia o jornal e plantava milho e hortaliças, apesar de reclamar que seus esforços de jardinagem rendessem tanto quanto custassem.[9]
Carolina nunca quis se casar para não se submeter a um homem. Cada um dos seus três filhos era fruto de um relacionamento diferente.[6]
A filha de Carolina, Vera Eunice tornou-se professora e contou em entrevista, que sua mãe aspirava a se tornar cantora e atriz.[10]
Morte
Em 13 de fevereiro de 1977, Carolina Maria de Jesus morreu, vítima de insuficiência respiratória.[11]
Legado
Em 1977, foi publicada postumamente a obra Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude.[3] Em 1982, publicou-se Um Brasil para Brasileiros.[3] Em 1996, Meu Estranho Diário e Antologia Pessoal.[3] Em 2014, as pesquisadoras Raffaella Fernandez e Maria Nilda de Carvalho Motta organizaram a coletânea Onde Estaes Felicidade, que trouxe textos originais da autora e sete ensaios sobre sua obra e, em 2018, lançaram Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos, com narrativas da autora.[12][6]
A pesquisadora Raffaella Fernandez organizou o material inédito deixado por Carolina de Jesus em 58 cadernos que somam 5 000 páginas de textos: são sete romances, sessenta textos curtos e cem poemas, além de quatro peças de teatro e de doze letras para marchas de carnaval.[13]
Dos livros escritos acerca da autora, destacam-se Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (1994), de José Carlos Meihy e Robert Levine; Muito Bem, Carolina!: Biografia de Carolina Maria de Jesus (2007), de Eliana Moura de Castro e Marília Novais de Mata Machado; Carolina Maria de Jesus – Uma Escritora Improvável (2009), de Joel Rufino dos Santos; A Vida Escrita de Carolina Maria de Jesus, de Elzira Divina Perpétua; [14] e Carolina: uma biografia (2018) de Tom Farias). [15]
Em 2014, como resultado do Projeto Vida por Escrito – Organização, classificação e preparação do inventário do arquivo de Carolina Maria de Jesus, contemplado com o Prêmio Funarte de Arte Negra, foi lançado o Portal Bibliográfico de Carolina Maria de Jesus e, em 2015, foi lançado o livro Vida por Escrito – Guia do Acervo de Carolina Maria de Jesus, organizado por Sergio Barcellos. O projeto mapeou todo o material da escritora, que passou a ser custodiado por diversas instituições, dentre elas: Biblioteca Nacional, Instituto Moreira Salles, Museu Afro Brasil, Arquivo Público Municipal de Sacramento e Acervo de Escritores Mineiros (UFMG).
Origem: Wikipédia
Comentários