Seis Mundiais disputados, 17 gols feitos e um vice-campeonato. Poucas jogadoras no mundo podem dizer que viveram tanto a Copa do Mundo quanto Marta Vieira da Silva. Maior artilheira da história da competição, tanto no masculino quanto no feminino, a atacante parece ter escrito o último capítulo de sua história na manhã desta quarta-feira, dia 2, com o empate do Brasil contra a Jamaica pelo Mundial de 2023. O resultado da partida eliminou a seleção brasileira do torneio e, aos 37 anos de idade, a atacante do Orlando Pride não sabe se participará de mais uma edição. Acostumada a titularidade absoluta, Marta teve de se adaptar a uma nova realidade durante a competição – pela primeira vez, começou um Mundial como reserva.
“Jamais vou me sentir menos do que qualquer outra atleta. Se eu não tiver dentro de campo, fora de campo estarei ajudando da mesma maneira”, afirmou em entrevista ao Jornal Nacional. Ao ser comparada à Cristiano Ronaldo, que durante a Copa do Mundo de 2022 perdeu a titularidade na seleção portuguesa e se demonstrou descontente com a situação, ela ressaltou a admiração ao jogador do Al-Nassr, mas afirmou que não repetirá esse tipo de comportamento. “Se eu vejo que a minha companheira está jogando melhor do que eu, está se destacando e está ajudando a equipe, eu quero que ela vá jogar.”
Se a nova condição não a incomodou, ela foi imposta por conta dos problemas físicos enfrentados pela camisa 10 nos últimos anos. Apesar de ainda ser genial, Marta já não é mais a mesma jogadora que ganhou seis Bolas de Ouro (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018). Ao longo de 2023, a atacante sofreu com uma lesão na coxa esquerda e desfalcou o Brasil nos últimos confrontos internacionais. Em 2022, Marta já havia ficado de fora de boa parte das partidas da seleção por conta de uma lesão no joelho esquerdo.
A jogadora já admitiu que esse deve ser seu último Mundial. Ao Esporte Espetacular, comentou sobre sua trajetória na seleção e assumiu que não tentará uma sétima Copa do Mundo, número que somente sua antiga companheira de time, Formiga, alcançou. “Só ela conseguiu, e até hoje nunca me falou o segredo”, brinca Marta. “A gente também tem que pensar em outras coisas”. Um dos sonhos da atleta é ser mãe. “Sempre tive esse desejo, essa vontade”, diz Marta. “Eu não tenho uma foto de quando era bebê, pela dificuldade da minha família. Minha mãe criou a gente sozinha, (eram) quatro filhos. Não tinha condições de pedir um fotógrafo pra tirar uma foto, e quando pediu, deve ter perdido”, completa.
Os pensamentos de despedida, no entanto, não atrapalharam a jogadora. Ao menos, foi isso que ela afirmou na véspera de seu último jogo de Mundial. “Estou tão focada na partida que não parei para pensar que esta pode ser minha última coletiva em uma Copa do Mundo, porque não vai ser. Estou confiante e acredito que vamos seguir na competição”, ela disse na coletiva de imprensa antes do jogo contra a Jamaica.
A entrevista, no entanto, teve um tom emotivo que fez até mesmos os jornalistas presentes derramarem lágrimas. Chorando, Marta avaliou seu legado no futebol feminino e se mostrou muito orgulhosa do que conquistou. “Eu não costumo pensar na Marta. Sabe o que é legal? Eu não tinha uma ídola no futebol feminino. A imprensa não mostrava o futebol feminino. Como eu ia entender que poderia ser uma jogadora, chegar à seleção, sem ter uma referência?”, questionou. “Hoje, a gente sai na rua e os pais falam: “Minha filha quer ser igual a você”. Hoje temos nossas próprias referências. Não teria acontecido isso sem superar os obstáculos. É uma persistência contínua. A gente pede muito que a nossa geração continue assim.”
Apesar da reserva, um dos motes da campanha brasileira em 2023 era “ganhar a Copa pela Marta”. Em um Mundial de renovação de elenco, a camisa 10 era o norte de todas as jovens jogadoras que sonhavam com a conquista. “Há 20 anos, em 2003, ninguém conhecia a Marta. Em 2022, viramos referência para o mundo inteiro. Não só no futebol, mas no jornalismo também. Hoje, vemos mulheres aqui, o que não tinha antes. A gente acabou abrindo portas para a igualdade”, afirmou.
Em 2019, após a eliminação para a França nas oitavas de final, a jogadora deu um forte discurso direcionado a nova geração de jogadoras brasileiras. “É um momento especial e a gente tem que aproveitar. Digo isso no sentido de valorizar mais. Valorize! A gente pede tanto, pede apoio, mas a gente também precisa valorizar. A gente está sorrindo aqui e acho que é esse o primordial, ter que chorar no começo para sorrir no fim. Quando digo isso é querer mais, treinar mais, estar pronta para jogar 90 e mais 30 minutos e mais quantos minutos forem necessários. É isso que peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga para sempre, uma Marta, uma Cristiane. O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais. Chorem no começo para sorrir no fim.”