Fabrício de Castro – UOL, em BrasíliaAntes da pandemia, menos de 50% dos itens do IPCA haviam apresentado aumento de preços Imagem: Rahel Patrasso/Xinhua
A alta de preços no Brasil se espalhou pela economia nos últimos meses e já atinge praticamente oito de cada dez produtos que compõem o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o indicador oficial de inflação. O IPCA atingiu 1,06% em abril, a maior taxa para o mês desde 1996. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, no mês, o índice de difusão do IPCA foi de 78,3%, o maior desde janeiro de 2003 (85,9%).
O índice de difusão mede a quantidade de produtos e serviços, dentro do IPCA, que registrou inflação (alta de preços) em determinado mês. Se os preços do óleo de soja ou do arroz subirem, por exemplo, eles contribuem para a difusão mais alta. Atualmente, 377 estão na cesta de produtos monitorados pelo IBGE para medir a inflação.
Um reflexo do índice de difusão para o dia a dia das famílias é a dificuldade cada vez maior de fugir da alta de preços quando elas vão às compras. Além disso, o número grande de produtos com preços subindo pode realimentar a própria inflação.
Um dos principais exemplos é o do óleo diesel: como serve de insumo para o transporte, a alta do combustível acaba puxando outros preços, como os dos alimentos. Isso também vale para a energia elétrica.
“A energia está em tudo, então acaba encarecendo a formação de preços. Deixa tudo mais caro”, exemplifica o economista Fábio Romão, da consultoria econômica LCA. “Se você vai prestar um serviço, você usa a energia elétrica. Se vai fabricar algo, você também utiliza energia.”
Inflação espalhada entre produtos e serviços
Os números do IBGE mostram que a inflação foi se espalhando nos últimos meses. Em fevereiro de 2020 —antes do início da pandemia de covid-19— o indicador de difusão era de 49,3%. Caiu mais um pouco, chegando a 43% em maio de 2020. Mas passou a subir no mês seguinte, até atingir os atuais 78,3%.
A difusão é tanto consequência quanto causa da inflação elevada, explica o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flavio Serrano.
Há um processo de inflação um pouco mais persistente que o esperado inicialmente. Em um ambiente desses, começa a haver maior dispersão dos aumentos de preços. Assim, uma coisa leva à outra: uma inflação alta está produzindo uma difusão alta; e a difusão alta deve fazer com que a desaceleração da inflação seja mais lenta.
Flavio Serrano, economista-chefe da Greenbay
Em outras palavras, os produtos e serviços influenciam uns aos outros, e a inflação acaba se espalhando pelos diferentes itens. Neste ambiente, fica mais difícil promover substituições de produtos, porque quase tudo fica mais caro —sim, isso não é só uma sensação.
Em abril, por exemplo, a alcatra subiu 0,78%, e o patinho teve alta de 1,85%. Quem correu para o frango inteiro como alternativa pagou preços 2,39% mais altos. Nem quem abriu mão da carne e procurou o ovo de galinha teve alívio: ele subiu 2,19%.
Por que a inflação se espalhou?
O economista Fábio Romão, da LCA, explica que a inflação se espalhou em função de choques —eventos econômicos inesperados— ocorridos nos últimos meses.
Ele cita a pandemia de covid-19, que encareceu os preços das commodities (matérias-primas como soja, milho e petróleo) e dos insumos para setores específicos, como o automotivo. Além disso, houve eventos, como a seca, que ajudaram a encarecer os custos da energia e dos alimentos.
Mais recentemente, a guerra entre Rússia e Ucrânia voltou a impulsionar as commodities. Outro fator são os lockdowns (confinamentos) na China, que têm afetado o envio de mercadorias para outras partes do mundo, incluindo o Brasil.
“Os brasileiros também voltaram a circular pelas cidades [com o avanço da vacinação]. Então nossa demanda por serviços é maior, o que influencia os preços”, afirma. “Infelizmente, há pressões em todo lugar para onde olhamos.”
Até quando a inflação continuará espalhada?
A difusão deve começar a diminuir a partir do segundo semestre, segundo economistas. A alta da Selic (a taxa básica de juros), promovida pelo Banco Central, tende a fazer mais efeito sobre os preços.
Desde março do ano passado, o BC vem subindo a Selic para conter o IPCA. No período, a taxa básica passou de 2% para 12,75% ao ano. Com juros mais altos, o crédito também encarece e, no limite, o consumo diminui. O resultado é que as empresas ficam com menos espaço para remarcar preços.
Com a alta de juros, o BC não chancela reajustes de preços. Ou pelo menos faz com que o empresário que pensava em subir em R$ 100 algum preço aumente apenas em R$ 50. [A alta da Selic] É um remédio amargo, porque afeta a atividade econômica para, em um segundo momento, afetar os preços.
Fábio Romão, economista da LCA
Serrano, da Greenbay, espera um alívio no segundo semestre deste ano ou no início de 2023. “Vai chegar um momento em que a política monetária [alta da Selic pelo BC] vai começar a fazer efeito”, afirma. “Então, veremos a economia perdendo força e, com isso, as empresas terão menor capacidade de repasse de preços ao consumidor.”
Para o economista Mailson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, com a difusão da alta de preços, a desaceleração da inflação será mais lenta. “Com índice de difusão dos preços acima de 70%, a inflação é mais resistente aos remédios [alta de juros]”, diz.
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