Sobral/CE., vira modelo nacional de gestão Educacional
Bárbara Bretanha, Especial para o Estado
Município cearense que mais cresceu em educação inspirou programa de alfabetização federal hoje aplicado em todo o País
SOBRAL – Município do Ceará, Sobral enfrentava um problema na rede pública: 48% das crianças até os 7 anos não eram de fato alfabetizadas. Não sabiam nem mesmo formar palavras. Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estimam que o valor gasto anualmente por aluno foi de R$ 2.221,73 em 2013. Em um grande centro, como São Paulo, a verba é R$ 929,79 maior.
Para contornar o problema, a cidade cearense apostou em um plano de gestão diferenciado, focado na erradicação do analfabetismo, na diminuição da evasão escolar, na valorização do professor e na meritocracia. O modelo educacional proposto foi tão bem-sucedido que Sobral virou base para o projeto nacional de ensino, que começou a ser implementado em mais de 5.300 municípios no ano passado.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Sobral já superou a meta federal prevista para 2021, de 6,1 pontos. Sobral possui 51,76% de pessoas vulneráveis à pobreza, com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00 mensais.
A evolução do município inspirou, em 2007, a criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) do Estado, com o intuito de promover a alfabetização das crianças até o 2º ano do ensino fundamental em todos os municípios. Na época da implantação, o Estado contabilizava 184 municípios e apenas 15 com nível adequado de alfabetização, entre eles Sobral. Apenas 8% das redes de todo o Estado ensinavam leitura adequadamente. Já em 2011, apenas cinco municípios cearenses não alcançaram o nível “desejável” de alfabetização. Foram considerados “suficientes”.
Capacitação de professores. “Em 2007, quando lançamos o Paic, 39% das crianças de 7 anos eram analfabetas ou alfabetizadas de forma incompleta. De 2008 até 2013 conquistamos um resultado de 6%. “, diz Maurício Holanda, secretário adjunto de Educação do Ceará . O governo federal e estadual disponibilizou uma verba de R$ 20 milhões para o programa que capacitou aproximadamente 15 mil professores.
Não foi apenas na leitura que os alunos progrediram: o Ceará foi o Estado que mais avançou no Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental, passando de 3,2 pontos para 4,9, segundo os dados avaliados desde 2005. A nota fica abaixo da média nacional de 5 pontos, mas é superior a meta esperada de 4.
Toda essa mudança começou em 2000 quando o Estado resolveu fazer uma pesquisa e descobriu 48% de alunos analfabetos funcionais entre 7 e 8 anos. “Quando uma criança chega aos 8 anos de idade sem saber sequer ler um texto simples, de três frases, toda a aprendizagem posterior fica comprometida”, diz Holanda. Em 2000, a taxa de abandono do 1º ao 9º ano da rede de ensino fundamental era de 9,94% e o indicador de distorção idade-série de 57,50%. “O aluno que não sabe ler acaba desistindo. Deixar uma criança nessa situação é um estelionato”, diz.
Uma nova política de ensino fundamental foi elaborada com base na gestão levada à sala de aula, na realização de avaliações meritocráticas, qualificação profissional e um sistema baseado em incentivos para os professores.
Incentivos fiscais. Em 2011, foram distribuídos cerca de R$ 450 mil em prêmios para os docentes. De acordo com o secretário municipal de Educação, Júlio Cesar da Costa Alexandre, de 26,5% a 27% do orçamento da prefeitura é destinado para a educação – o mínimo constitucional é de 25%. Além disso, contam com uma lei estadual que garante o repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base em bons resultados na educação, saúde e meio ambiente.
Em outras palavras: as mudanças foram realizadas sem investimentos excepcionais.
Hoje, o número de crianças alfabetizadas aos 7 anos de idade chega a 95,8%.”Nossa perspectiva é de que a gente melhore ainda mais para que a escola pública de Sobral possa resgatar algo que a escola pública brasileira perdeu: a boa imagem perante as famílias e a sociedade”, diz Alexandre. Para Priscila Cruz, diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, não é possível, porém, apostar apenas no sucesso de uma boa administração. “Não dá para separar financiamento e gestão. Isso é uma falsa dicotomia. Na verdade, se tem financiamento, mas não tem a gestão, não adianta, vai para o ralo o recurso. E, se não tem verba, não tem como custear qualquer projeto.”
De acordo com o secretário de Educação, o investimento adequado dos recursos também faz diferença. “Quando a reprovação diminui, surge uma economia: uma coisa é ter dez alunos em uma mesma série, outra coisa é ter 20. Os gastos aumentam com esse número”, explica o secretário Alexandre.
Escola integral. A cidade está fazendo um investimento maciço na educação infantil. Entre os focos, a implantação de escolas em período integral com objetivo de universalizar a dupla jornada nas escolas sobralenses. O programa prevê a construção de 17 escolas de período integral nos próximos quatro anos. A primeira já está em funcionamento.
Priscila Cruz aponta a ausência da cultura de utilização de referências de gestão eficaz no Brasil. “A cada troca de secretário, as políticas educacionais tendem a mudar. Existem pesquisas de larga escala mostrando quais são as políticas que dão mais resultado. Isso deveria ser aproveitado”, diz Priscila. “O caso de Sobral é um desses casos, repletos de boas referências.”
Após aproximadamente 12 anos de desenvolvimento de uma ação sistêmica, as escolas do município não apresentam grandes diferenças de indicadores , mesmo nas unidades da periferia e em zonas rurais, onde a concentração de pobreza é maior. “Essa padronização demonstra que se trata de uma ferramenta social possível de ser replicada”, diz o secretário Alexandre.
As políticas públicas devem ter foco claro e estimular o engajamento dos responsáveis para construir uma educação de qualidade, apesar da desigualdade. “As escolas devem fazer um esforço articulado para evitar desperdícios e manter o foco na aprendizagem”, diz Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann .
Priscila ressalta que não é possível ter um modelo unificado. “O diagnóstico de cada cidade é diferente e o sucesso de um lugar não garante sucesso em outro. As pessoas esquecem que a parte mais importante é a implementação, não adianta só tentar aplicar”, explica.
No Ceará, outros municípios conquistaram indicadores melhores que o de Sobral. “A chave”, segundo Holanda, “foi oferecer apoio, mas deixar que cada município ajustasse sua política.”
Se for olhar para Sobral, não tem nada de muito inesperado. “Fizeram o básico”, diz Priscila. “Fazer bem-feito é o segredo, mas esse segredo não cabe numa receita.”
25% dos alunos mais pobres do País atingiram o Idep. Adversidade socioeconômica não é barreira intransponível para educação de qualidade. Um levantamento realizado pela Fundação Lemann, que trabalha pela melhoria do ensino, identificou as escolas públicas que atendem os alunos de nível econômico mais baixo e alto desempenho escolar. Através das respostas sobre bens de consumo dos questionários da Prova Brasil, detectaram escolas que concentravam os estudantes que estavam entre os 25% mais pobres do Brasil e ainda assim atingiram no Ideb uma média igual ou superior a 6,0. Trinta escolas são de Sobral. “Dá para construir uma educação de qualidade em situações adversas”, diz Denis Mizne, diretor da Fundação.
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