Saída de João Doria sela a morte lenta, gradual e segura do PSDB

Matheus Pichonelli

Sao Paulo's former Governor Joao Doria announces his withdrawal of the pre-candidacy for the presidency for the national elections, in Sao Paulo, Brazil May 23, 2022. REUTERS/Carla Carniel
O ex-governador e agora ex-tucano João Doria. Foto: Carla Carniel/Reuters
Como um relógio parado, João Doria poderá dizer aos netos que os ponteiros de suas escolhas políticas acertaram ao menos duas vezes na vida. Uma delas foi quando idealizou a primeira vacina a ser aplicada no país e forçou um presidente negacionista a correr em busca de um imunizante para chamar de seu.

A segunda foi quando anunciou, nesta quarta-feira (19/10), a saída do PSDB. Doria não tinha mais o que fazer no partido que, como lembrou em sua postagem de despedida, já teve em suas fileiras nomes como Franco Montoro e Mário Covas — José Serra e FHC, também citados, são os remanescentes. A supressão dos créditos finais de Aécio Neves, Eduardo Leite e Rodrigo Garcia, os herdeiros do espólio, não é à toa.

“Com minha missão cumprida, deixo meu agradecimento e o firme desejo de que o PSDB tenha um olhar atento ao seu grandioso passado em busca de inspiração para o futuro”, escreveu o ex-governador, como se dissesse, com outras palavras, que o PSDB é um partido com um grande passado pela frente. E fim.

A saída do PSDB não anula o erro que Doria cometeu ao deixar a Rodrigo Garcia o governo do estado de São Paulo. Doria deveria ter concorrido à reeleição. Mesmo que ela se desenhasse uma batalha mais árdua do que foi em 2018.

Mesmo diante da rejeição que colou nele em razão das medidas duras de distanciamento adotadas durante a pandemia, ele teria chance, e tempo de exposição na propaganda de TV, para explicar que não agiu como agiu porque era um sádico líder político em busca de diversão às custas dos pobres trabalhadores paulistas, mas porque as pessoas estavam morrendo sem vagas em hospitais por conta de um vírus que assolava o mundo inteiro, e não só os planos para a economia em V de Paulo Guedes. Teria sido uma eleição no mínimo mais didática do que a que discute agora se o carioca candidato em São Paulo vai instituir ou não o dia da pizza com catchup.

A vacina já seria um trunfo suficiente para Doria pelo menos botar um pé no segundo turno. Tarcísio de Freitas (Republicanos) teria chances contra um candidato que tinha o que mostrar e outro que já tinha concorrido à Presidência pelo PT? Talvez. Mas as chances de o preposto de Jair Bolsonaro (PL) despontar como despontou em um estado que mal conhece seriam certamente reduzidas. Ele foi beneficiado pelo fato de ter no páreo uma nulidade com o carisma de uma parede chamada Rodrigo Garcia.

Doria preferiu deixar o posto e concorrer à Presidência. Quando viu a tempestade se formando da porta do Palácio dos Bandeirantes em diante, era tarde demais para voltar. Em seu lugar assumia o posto um neotucano de caráter duvidoso e traiçoeiro que, uma vez derrotado, não pensou duas vezes em oferecer as costas como escada do bolsonarismo no estado.

Eduardo Leite, com quem Doria se digladiou nas prévias tucanas, ainda tentou voltar a tempo ao governo do Rio Grande do Sul. Hoje paga o preço, diante do favoritismo de um candidato bolsonarista que tem nojo de lhe estender as mãos e cumprimentá-lo, por ter tratado o Palácio do Piratini como plano B.

Doria nem isso tentou.

A confiança dele e do PSDB dada a Rodrigo Garcia tem se provado o maior erro estratégico que o partido já cometeu – e não me refiro apenas a essa eleição.

Hoje, em vez de planos de governo, o que o PSDB discute é se será um preposto do bolsonarismo convicto ou envergonhado. Leite é da ala envergonhada. Aécio já esfrega as mãos. A anemia da legenda que já foi a maior força política do país atesta que não há muito a oferecer aos novos ricos do tabuleiro.

O futuro político de Doria, que fez o possível para brecar Aécio e a falência precoce do partido, é incerto.

O do PSDB é certo: corre a passos lentos, graduais e seguros em direção à completa irrelevância.

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