Resenha sobre o livro “Vidas Interrompidas”, de Levon Nascimento

Resenha sobre o livro “Vidas Interrompidas”, de Levon Nascimento

pelo jornalista João Renato Diniz Pinto

Prezado Levon,

A primeira vez que ouvi a palavra Taiobeiras foi no segundo grau quando estudava no Colégio Padrão/Pitágoras nos idos de 1995, 1996 e 1997. Fui colega de Nikolas, sobrinho da professora de Português, Rosane Bastos, um dos negros da turma. Cruzeirense e muito inteligente. Depois só retornaria a ter contato com Taiobeiras e o Alto Rio Pardo de Minas pelo blog (diário virtual) do sociólogo Levon Nascimento nos idos de 2003 e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O professor da Escola Estadual Presidente Tancredo Neves retirou a conjunção “de” do nome. Na minha opinião, o “de” representa a linguagem da população norte-mineira e sua generalidade. O “do” ou o “da” é mais específico. Em fevereiro de 2007, voltei a ter contato com Taiobeiras na posse do padre diocesano, negro e baiano Inivaldo Fernando de Lima na Paróquia São Sebastião. Dom Geraldo Majela de Castro passava o comando da Arquidiocese de Montes Claros a dom José Alberto Moura.

Padre Fernandes substituiria os franciscanos brancos da Ordem dos Frades Menores (OFM). Levon Nascimento também é baiano: de Cordeiros. É importante lembrar que, quando os jesuítas começaram a fazer trabalho de inculturação dos indígenas, foram sumariamente expulsos pela Coroa Portuguesa. Os escolhidos para substituí-los: os franciscanos com o seu carisma pacificador. É muito emblemática a escolha pelo Espírito Santo, em 2013, de um papa, argentino, branco e jesuíta com o nome de Francisco para o Vaticano. O superior dos jesuítas era chamado de papa negro e foi forçado a fazer silêncio obsequioso durante as ditaduras ocidentais do século XX. A recomendação foi do monarca, o papa João Paulo II (1978-2005), que orientava a apenas criticar o socialismo no Leste Europeu. A fonte é o livro “Sua Santidade João Paulo II e a história oculta de nosso tempo”, de Carl Bernstein e Marco Politi, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1996. Consegui um exemplar pela internet em um sebo da capital fluminense. Custou R$ 5 mais correios.

Ganhei na última quarta-feira (21/05/2020) o livro “Vidas Interrompidas: Juventude, Violência e Políticas Públicas em Taiobeiras – Minas Gerais”, dissertação de mestrado de Levon Nascimento publicada em livro pela Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2018. Ele mesmo deixou o livro como presente na caixa de correios da minha casa. Já na página 17, a obra traz o alerta destes tempos pós-modernos. “Com características de execuções sumárias, os homicídios, mortes súbitas por serem jovens transbordantes de vitalidade, ainda que em muitos casos jurados a fenecer pelas pendências do tráfico, e as marcas de crueldade estampadas nas vítimas, acirram no senso comum as percepções de uma guerra social e de que as famílias sofrem punição por terem falhado na educação da prole. Involuntariamente, revelam um processo de individualização e privatização da tragédia, o qual exime a esfera pública de responsabilização perante a opinião da sociedade. São vidas humanas, juvenis, pobres e mestiças que se perdem violentamente”.

Em tempos de coronavírus, destaca-se a decisão presidencial verde e amarela de liberar o uso de cloroquina para a cura dos pacientes, mas cabe ao próprio paciente optar por fazer uso do medicamento, mesmo este entubado e com ventiladores e respiradores por todos os lados. Influenciada pelo capitalismo, a medicina se aburguesou, transferiu responsabilidades e particularizou a saúde do paciente. Nada que o Direito seja contra. O governo não libera o uso da morfina em hospitais para amenizar as dores intermináveis dos doentes graves. Porém, deixa ao deusdará a cocaína branca ser mercantilizada a torto e a direito pelos 27 estados da federação. Nenhuma lei ou imposto para coibir a sua circulação.

Enquanto isso, a maconha é condenada. A música “Faroeste Caboclo”, de nove minutos, escrita por Renato Russo e agora transformada em filme, revela muito da disputa comercial entre a maconha pobre, negra e boliviana e a cocaína rica, branca, policial e política da classe média alta. Vale ressaltar também o branqueamento provocado pela Coroa Portuguesa no Brasil. A mistura de raças foi proposta do governo monárquico para pacificar e acalmar os selvagens aqui encontrados (índios) e os trabalhadores manuais trazidos forçadamente da África (negros).

À página 321 do livro “Lima Barreto: Triste Visionário”, de Lilia Moritz Schwarcz, Companhia das Letras, São Paulo, 2017, reproduz-se o manuscrito do psiquiatra Juliano Moreira a respeito da divisão racial no país. Branco com caboclo é mameluco. Branco com negro é mulato, recordando que a origem preconceituosa da palavra mulato vem de mulo, estéril, fruto da relação sexual animal irracional do mulo com a égua, o que daria mais proeminência, masculinidade e força ao descendente.

Caboclo com negro é cafuso. Branco com mameluco, mulato, cafuso, caboclo (interrogação) origina o pardo. Mameluco com cafuso dá caibra (interrogação). Caibra ainda é resultado do cruzamento com caboclo, mameluco, mulato e negro. Levon Nascimento me presenteou com o seu livro na quarta-feira (21/05) ao deixar um exemplar na caixa de correios da casa onde moro. Não sei se ele reparou, mas na altura do número 598 da Rua Doutor Veloso, Centro de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, há colada uma placa com o nome da negra Marielle Franco e do branco Anderson Gomes, brutalmente assassinados em 14 de março de 2018, aniversário de morte de Karl Heinrich Marx. Tentei, em protesto, colocar a placa de rua na esquina onde fica a sinalização. Mas uma viatura da polícia militar foi chamada e obrigou-me a retirar a placa do lugar, alegando que aquilo ali é patrimônio público. As letras da placa de rua entre as ruas Dr. Veloso e Dom Pedro II estão desaparecendo. Pedestres e motoristas têm dificuldades de visualização ou visão. De próprio punho, eu mesmo escrevi em um papel comum o nome da Rua Dr. Veloso, CEP e sua história e improvisei no local. Nenhuma viatura veio à minha procura.

No mesmo dia em que adquiri a obra literária sobre Afonso Henriques de Lima Barreto (13/05/1881-01/11/1922), no início de janeiro de 2020, na Livraria Leitura do Shopping Cidade de Belo Horizonte, encontrei o livro “Quarenta anos de sertão”, de Mauro Moreira, Editora Itatiaia Limitada, Coleção Buriti, 1976, a preço popular: R$ 5. À página 55, na crônica “Cheio de direito e coberto de razão”, o autor escreve. “Como, nos grandes centros, fazem conceito errôneo do sertanejo! Principalmente do fazendeiro que vive no interior, na dura labuta de suas fazendas. Pintam-no, geralmente, como um ferrabrás, hostil, sempre pronto, por qualquer dá cá aquela palha, a mandar espancar ou matar seus semelhantes. Nada mais errado! A verdade é que o sertanejo é o homem esquecido dos poderes públicos, o sacrificado, o só lembrado na hora de pagar os mais pesados tributos ao fisco, e tem sempre em seu encalço uma multidão de fiscais do erário à cata de um primeiro engano para aplicar-lhe as mais inexoráveis multas”.

O capitalismo transformou a roça em cidade e a maconha em cocaína. O índio hoje corre artificialmente atrás de auxílio emergencial. Antes corria natural e saudavelmente atrás da caça e da pesca. O sertanejo se metamorfoseou em empreendedor ou latifundiário explorado pelo agronegócio. Como gosta de ensinar a assistente social Sônia Gomes de Oliveira, a negra Sônia Gomes de Oliveira, as veredas agora são urbanas. E a violência se especializa e privatiza a vida humana capitalizada pela especulação financeira de créditos rápidos. Comecei a ler o livro agora. Muito bom! Darcy Ribeiro e o Povo Brasileiro estão orgulhosos de você. Obrigado!

Saudações,

João Renato Diniz Pinto; jornalista montes-clarense.
Sábado, 23 de maio de 2020.

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