Quando vão queimar os livros?
* Levon Nascimento
Logo pela manhã, li a notícia de que a Secretaria de Educação do Estado de Rondônia havia enviado ofício sigiloso às bibliotecas escolares ordenando que obras literárias dos grandes mestres brasileiros fossem retiradas de circulação.
Dentre os autores: Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha, Osvald de Andrade, Rubem Braga, etc. Explicito: até o maior escritor da Língua Portuguesa, o “mulato” Joaquim Maria Machado de Assis!
Em que pese o recuo do secretário de educação rondoniense, após vazado o ofício sigiloso, é bom lembrar a quem não sabe que o governo de Rondônia está alinhado ao pensamento de Jair Bolsonaro e ao famigerado Escola Sem Partido, batalha fanática de extrema-direita que apregoa o risco de um tal de marxismo cultural, simplesmente inexistente.
Para essa gente, qualquer arte e pensamento crítico é comunismo. Eles odeiam a inteligência.
Também é preciso ressaltar que toda ditadura proíbe a leitura de livros que considera oponentes à sua ideologia. É na democracia que há liberdade para o pensamento e a expressão. Estamos em ditadura no Brasil?
Que se ressalte que o governo Bolsonaro planeja financiar apenas peças teatrais e obras cinematográficas que falem o seu idioma fundamentalista. Volto a perguntar: estamos numa democracia?
Porém, o que mais me admirou na notícia é que no tal ofício de Rondônia havia uma ordem expressa para que “todos os livros de Rubem Alves” fossem suprimidos.
Rubem Alves, já falecido, foi um pensador e escritor presbiteriano brasileiro que, sem abdicar de sua fé, tornou-se um ilustre combatente pelas letras contra a famigerada ditadura militar brasileira (1964-1985). Falava de fé, política, educação, cidadania e participação.
Não por acaso, tenho há mais de vinte anos um exemplar de sua obra “Conversas sobre política” (Editora Verus). Didático, cristão e contundente, este livro não me sai de vista. Inspira-me muito.
Daí que quero aproveitar a deixa para questionar vários amigos evangélicos (não todos, evidentemente), alguns deles presbiterianos, que ainda se comprazem de apoiar a ideologia que dá sustentação a Bolsonaro, convencidos de que participam de uma verdadeira cruzada cristã pela restauração moral do Brasil, em nome de Cristo. Respeito-os, mas os considero equivocados.
Pergunto-lhes: o autêntico cristianismo, inclusive aquele a que Rubem Alves foi filiado e testemunha, combina com a perseguição ideológica e a falta de liberdade que se anunciam sem desfaçatez no Brasil?
Quanto às obras censuradas, leiam-nas antes que as fogueiras sejam acesas. Foi assim na Alemanha de Hitler.
* Levon Nascimento é professor de História e mestre em Políticas Públicas.
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