Lupicínio Rodrigues se estivesse vivo estaria completando hoje 16/9, 105 anos
Biografia (Enciclopédia Itaú Cultural)
Lupicínio Rodrigues (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1914 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul 1974). Compositor e cantor. Aos 7 anos é matriculado no Colégio São Sebastião da Congregação dos Irmãos Maristas, onde tem os primeiros contatos com a linguagem musical. A infância transcorre entre a escola e o campinho de várzea. Daí sua paixão pelo futebol. Fervoroso torcedor do Grêmio, compõe o hino oficial do clube gaúcho. Filho de uma família pobre e numerosa, de 21 irmãos, aos 12 anos, trabalha como aprendiz nas oficinas da Companhia Carris Porto-Alegrense, responsável pelos bondes da cidade e, posteriormente, na firma Micheletto.
Muito jovem, compõe para os blocos carnavalescos de seu bairro. A inclinação para a boêmia preocupa o pai, que resolve matriculá-lo como voluntário no Exército. Com 16 anos, é soldado do 7º Batalhão de Caçadores de Porto Alegre. Em 1935, com 21, dá baixa no Exército. Durante a fase do quartel, é cantor de conjuntos musicais e vence um concurso com a marchinha Carnaval, escrita para o cordão carnavalesco Prediletos. Entre 1935 e 1947, é bedel na Faculdade de Direito de Porto Alegre. No decorrer dos anos 1950 e 1960 abre uma série de restaurantes, o mais famoso de todos, Batelão, vira ponto turístico da capital gaúcha.
O impulso para sua carreira artística surge com a premiação no concurso em comemoração do centenário da Revolução Farroupilha, em 1935. Lupicínio, em parceria com o cantor Alcides Gonçalves, da Rádio Farroupilha, compõe a música vencedora: o samba Triste História. A partir daí, a dupla é responsável por outros sucessos, como Quem Há de Dizer (1948) e Cadeira Vazia (1950), que são gravadas por Francisco Alves, mas sem citar a autoria de Gonçalves, e Castigo (1953), gravada por Gilberto Milfont, em 1953, também sem a parceria. Além das gravações de Gonçalves, Lupicínio atribui aos marinheiros que frequentam os cabarés de Porto Alegre a difusão de suas músicas em outras capitais brasileiras. Se Acaso Você Chegasse (1938), composta em parceira com Felisberto Martins, chega ao Rio de Janeiro por essa via, sendo gravada pelo cantor carioca Ciro Monteiro.
Lupicínio Rodrigues desembarca pela primeira vez na capital fluminense em 1939. Ali, conhece Germano Augusto, Kid Pepe, Wilson Batista, Ataúlfo Alves, entre outros, e passa a frequentar os bares da Lapa e o célebre Café Nice, aproxima-se do cantor Francisco Alves, que se torna um de seus principais intérpretes. Nos anos 1940 e 1950, suas músicas conquistam grande sucesso na voz de diferentes intérpretes, como Ciro Monteiro, Francisco Alves, Linda Batista, Jamelão, Elza Soares, João Gilberto, Caetano Veloso, Elis Regina, Cazuza, Zizi Possi, Gal Costa e Isaura Garcia. No decorrer de sua carreira, exerce o cargo de representante da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Músicas (Sbacem). Deixa uma obra extensa de centenas de composições que o consagram como um dos nomes referenciais na formação da música popular brasileira, da primeira metade do século XX.
Análise
Lupicínio Rodrigues afirma não ser músico nem compositor ou cantor, apenas um boêmio. Segundo ele, boêmios são pessoas muito sentimentais, que gostam da noite, porque é na noite que se faz música, é na noite que a poesia tem mais sentimento e é à noite que o amor é mais amor. Ao investir na tradução desse universo da boêmia, sua lira busca narrar as dores dos desencontros amorosos, as traições, as separações, enfim as desilusões do amor que, entre outros sentimentos, habitam o coração do boêmio. Não por acaso, é mestre do samba-canção, um samba meio abolerado que valoriza a melodia, em geral romântico. Não por acaso, batiza seu estilo de música de “dor de cotovelo”, referindo-se àqueles que nos bares se sentam ao balcão, apoiam os cotovelos nele, bebem e choram seus desamores. Vingança, seu maior sucesso, lançado pela rainha do rádio Linda Batista, em 1951, torna-se símbolo de tal estilo. A música bate recordes de venda e consagra o nome do compositor nacional e internacionalmente, sendo gravado em ritmo de fado, bolero e tango. Espécie de hino do sentimentalismo romântico da época, o samba vira febre em todo o Brasil e teria inspirado, segundo a crônica jornalística, muitos suicídios. O próprio compositor o grava em seu primeiro álbum, Roteiro de um Boêmio, no ano de 1952.
As gravações de Francisco Alves, a exemplo de Nervos de Aço (1947) e Esses Moços (1948), projetam o nome do compositor. Mas é o sucesso de Vingança que torna suas músicas obrigatórias nas boates, nos cabarés e nos taxi dancings,1 bem como na programação das principais emissoras de rádio. Suas composições passam a ser requisitadas por cantores famosos nesse início dos anos 1950, Isaura Garcia – Nunca; Nora Ney – Aves Daninhas; Luiz Gonzaga – Jardim da Saudade. As canções de Lupicínio ocupam assim um lugar proeminente na trilha sonora que passa a identificar o romantismo vulgar da época, o que não significa o rebaixamento estético de sua obra. Suas composições, comenta o poeta Augusto de Campos, podem até lidar com o banal, mas nunca são banais. Ainda segundo o escritor, os textos de Lupicínio se notabilizam pelo uso do óbvio, da vulgaridade, da frase feita. Armado dos clichês da língua portuguesa, ele chega ao incomum pelo desprezado, ao novo pela redundância deslocada do seu contexto. Como na canção Sozinha: “Vivia sozinha, / Num ranchinho velho, feito de sopapo, / o seu rádio de noite era o canto de um sapo, / sua cama uma esteira entendida no chão. / Sua refeição era um bocado de charque e farinha, / pois nem pra comer a coitada não tinha, / sequer no café, um pedaço de pão”. Na singeleza de suas armas, diz Campos, o compositor consegue equacionar como poucos o trauma amoroso que suas músicas expressam.
Seus sambas de certa forma se filiam a Noel Rosa, mas apresentam novas modulações que apontam para a moderna música popular brasileira. O samba Último Desejo, de Noel Rosa, é uma referência para Lupicínio. Outra influência é de Joubert de Carvalho, autor de valsas, tangos, marchinhas e sambas, a exemplo de Maringá (com Olegário Mariano) e Pra Você Gostar de Mim (Taí).
Quando é pego pelo “micróbio da canção”, tal qual fala a todos, Lupicínio volta-se para o canto, antes de tentar a composição. Seu ídolo é Mário Reis, cantor que surge nos anos 1930, quando novos recursos técnicos, a gravação elétrica, favorecem o surgimento de cantores de voz miúda, cuja interpretação aproxima-se de um canto coloquial, quase falado. Essa tradição inaugurada por Reis desemboca na bossa nova de João Gilberto e Nara Leão. O cantor Lupicínio, muito antes da bossa nova, filia-se a essa linhagem. Sua voz de tenor de pouca extensão inspira-se nessa forma de cantar baixinho. Apoiando-se nela, compõe sua obra. Pois, ele não domina a linguagem formal da música e não toca instrumento algum, como compositor tem apenas a voz para gerar suas canções. Canções essas, afirma Lupicínio, fundadas em experiências vividas por ele próprio ou por seus amigos, sempre ligadas à traição, ao desencanto, à paixão, enfim, aos dramas do amor.
Tanto as linhas melódicas de suas composições quanto a poética de suas letras contribuem para renovar a canção romântica brasileira. Chega a compor mais de 600 músicas, das quais são gravadas por volta de 150. A primeira gravação é de dois sambas em parceria com o cantor gaúcho Alcides Gonçalves, Triste História e Pergunte aos Meus Tamancos, feita pelo próprio Gonçalves no ano de 1936. Seus maiores sucessos, quase todos compostos entre as décadas de 1930 e 1950, a exemplo de Felicidade, Esses Moços, Nunca, Volta, Nervos de Aço, Loucura, Se Acaso Você Chegasse, Um Favor, Quem Há de Dizer, Castigo, Maria Rosa, Cadeira Vazia e Vingança, atravessam décadas e são gravados pelos mais variados intérpretes da música popular brasileira. Cadeira Vazia, que é gravada pela primeira vez em 1950, por Francisco Alves, é interpretada por Elis Regina em 1974. Nos anos 1970 e 1980, a obra de Lupicínio Rodrigues chega ao público por meio de Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Gal Costa, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Elza Soares e Jamelão. Este dedica dois discos às composições de Lupicínio, lançados em 1972 e 1987, com acompanhamento da Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo.
A partir do fim dos anos 1950, e durante a década de 1960, o compositor sai de cena. A bossa nova, a música engajada e o rock eclipsam o seu samba-canção. Mesmo assim, ele continua traçando seu roteiro de boêmio. Entre fevereiro de 1963 e fevereiro de 1964, passa a escrever semanalmente no jornal Última Hora, em que narra histórias da boêmia de Porto Alegre, além de comentar suas músicas. Quando é redescoberto pelos tropicalistas, nos anos 1970, surge a oportunidade de ele próprio gravar dois LPs: Dor de Cotovelo, lançado no ano de 1973, pelo selo Rosicler/Chantecler, e Lupicínio Rodrigues, de 1974, pelo selo Copacabana. Nos dois discos, interpreta seus clássicos, como Vingança, Nunca, Felicidade, e canções inéditas como Inah. Por essa época, faz uma série de shows, como o realizado no Teatro Opinião, em outubro de 1973, no Rio de Janeiro. Menos de um ano depois, em 27 de agosto de 1974, morre por insuficiência cardíaca, na sua cidade de Porto Alegre.
Nota
1. Referem-se às casas de dança, muito comum nos anos 1950, onde os homens, mediante a compra de fichas, dançam com moças contratadas pelo taxi dancing.
Suas músicas de maior sucesso 01. Felicidade
02. Nervos de Aço
03. Nunca
04. Volta
05. Se Acaso Você Chegasse
06. Vingança
07. Cadeira Vazia
08. Esses Moços
09. As Aparências Enganam
10. Maria Rosa
11. Remorso
12. Briga de Amor
13. Hino do Grêmio (oficial)
14. Castigo
15. Ela Disse-me Assim
16. Judiaria
17. Foi Assim
18. Aquele Molambo
19. Cevando O Amargo
20. Coisas Minhas
21. Brasa
22. Loucura
23. Meu Pecado
24. Caixa de Ódio
25. Carteiro
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