Literatura e os bons poetas já não existem mais, estão mortos
Por Alberto David
Não se pode falar em literatura, sem se lembrar do notável Mozart Tanajura e sua importância para o cenário cultural de Vitória da Conquista.
Foi o escritor mais completo da história literária desta cidade, pois atuava como crítico literário, prefaciador, memorialista, historiador, romancista, colaborador de vários jornais de conquista, inclusive para o jornal A Tarde, professor, autor de livros infantis, monografias, enfim, dominava qualquer texto ou assunto com maestria.
Mozart era um escritor popular e humilde, que atendia a quem o procurasse para instruir sobre diversos assuntos, pois com o seu conhecimento, passava muita confiança. Um exemplo disso pude constatar na ocasião de desenlace de meu pai, em 2000, em que estava bastante emotivo e escrevi sobre ele, prestando a minha última homenagem à sua história, através de uma crônica cujo título era “Pai, sinto muito a sua falta”, publicada em página inteira, de um jornal da terra, seria minha surpresa para Mozart, pois até aquele instante eu não sabia que ele já tinha o jornal em mãos. Seria, também, um desafio para mim, pois todos os artigos que publicava tinha que ter o aval dele. Este não teve; daí a surpresa. Pensei: “Vou aguardá-lo na Alameda Lima Guerra, local dos nossos bate-papos e, na hora certa…” mas, de pronto, Mozart mal chegou perto de mim e abriu o seu classificador, tirou o jornal e fez a referência: “Li o artigo que você fez para o seu pai, tem passagens muito bonitas, está muito bom, é o melhor texto que você escreveu. E eu, emocionado, disse-lhe: “Mozart, dê uma nota para mim de zero a dez”. E rapidamente, respondeu: “Sua nota é nove e meio”.
Todos nós escritores e interessados em escrever usufruímos do seu conhecimento. Sinto muito sua falta, principalmente quando ando pelas ruas da cidade e não o encontro para colocarmos as fofocas e as letras em dias.
Tudo isso vem a calhar com a morte de mais um conhecedor de literatura, que convive com todos os gêneros literários, um romancista premiado com o livro “Um olhar para trás”, prêmio Zélia Pitton. Sua monografia para o curso de Letras foi um trabalho extraordinário sobre o cordel, escrito em várias laudas. Quando Digo vem a calhar, é porque Geraldo se assemelha, em muitas coisas,
ao escritor Mozart, pela humildade, conhecimento, espírito tranquilo, mesmo ante as intempéries, e no talento e na inteligência privilegiada.
Geraldo Xavier, há tempos, vinha sofrendo de graves problemas de saúde em especial do coração e precisava de apoio financeiro para viajar e poder tratar da saúde que estava precária, precisava de acompanhamento médico e cirurgias. Não tinha um tostão. A verdade dói, mas não envergonha a quem sente, muito pelo contrário, revolta. Não tinha nem as passagens necessárias de ir e vir, fora outros problemas financeiros. Um dia nos reunimos para ajudá-lo a quitar o imposto predial e vi lágrimas no rosto de Geraldo Xavier, talvez pela emoção de ter conseguido o objetivo ou ter que passar por isso. Ele era licenciado em História e tinha outros cursos que não chegou a completar, daí a sua intelectualidade também comprovada. Isso tudo é revoltante. Muita coisa se assemelhava a Mozart, visto que dominava todos os gêneros, era humilde, popular, rezenhista atendia com boa vontade a quem necessitava de uma orientação, de uma instrução. Era de um espírito tranquilo que me assombrava, em momentos difíceis que ora passava, só teve uma vez, em que, nele, com o cigarro em punho e cabeça baixa, dei uma bronca:
“Geraldo, o que está acontecendo, cara? Joga este cigarro fora, mas será possível?! Geraldo, você não se toca, como pode você nessa fase necessitando de tratamento e continua fumando deste jeito!” Ele, com o ar tristonho e o olhar perdido, obviamente de tantas decepções, falta de amigos, ajuda, reconhecimento, pois Geraldo, o Xavier, teria de estar na capital para os exames e as cirurgias já por diversas vezes marcadas.
Disse-me: “Alberto, já estou em outra, vou fazer uma viagem … não estou mais nem aí”. E eu insisti: “Mas Geraldo, eu não acredito no que estou ouvindo. Não faça isso! Se cuide!” E em seu olhar dizia:
“Mas como?”
Voltando ao prof. Mozart, naquela tardezinha, já ao pôr do sol de 20 de agosto de 2000, ali na alameda, gente descendo e subindo, atrás me lembrou do grande Drumonnd, quando da janela de sua casa observava as pessoas passando, indo e vindo e, de repente, se chatear e antes de fechar a janela, diz: ÊTA VIDA BESTA!, e entre os olhares do ir e vir – meu pensamento voltou à Alameda Ramiro Santos:
“Mozart, aqui não adianta publicar mais nada, tudo que você publicar por aqui não vai dar em nada, nem que seja uma obra importantíssima, vai morrer por aqui mesmo. É como andar em círculos”.
“Você tem razão Alberto” – ele concordava com o meu posicionamento.
Conclusão: Geraldo se foi, faltou a fraternidade, a irmandade, a o amor pregado por Cristo.
Ele estava só! 1!
Os maiores exemplos estão aí, na complexidade das trajetórias destes dois monstros da literatura: de uma trajetória literária esplêndida, mais em conta de uma passagem miserável pela vida, ainda mais para o Geraldo Xavier.
Que descansem em paz Geraldo e Mozart! Vocês serão bem mais aproveitados como secretários de Deus.
A literatura e os bons poetas já não existem mais. Estão mortos. Esta é a grande verdade, doa a quem doer!
Geraldo se foi, sem mais nem menos. Ele estava só!
Isso tudo é revoltante!
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