Governo sofre pressão internacional para “mudar de direção” na pandemia
Entidades internacionais, comunidade científica, governos aliados e mesmo investidores pressionam o governo brasileiro a “mudar de direção” na gestão da pandemia da covid-19, inclusive como forma de não retardar uma recuperação da economia nacional e de evitar um isolamento internacional ainda mais profundo.
Os dados da Organização Mundial da Saúde, nesta segunda-feira, revelam a dimensão da crise sanitária brasileira. De acordo com a entidade, o Brasil foi o país que registrou o maior número de novas contaminações no mundo nos últimos sete dias, com 494 mil e superando os EUA.
No cálculo envolvendo os óbitos, o Brasil também já superou os americanos e ocupa a primeira posição no mundo. Em sete dias, foram 12,3 mil novos mortos no país, contra 9,3 mil nos EUA.
A notícia de uma eventual mudança de chefe da pasta de Saúde e a chegada de uma quarta pessoa para o cargo em um ano de pandemia despertaram no fim de semana duas reações distintas por parte da comunidade internacional.
De um lado, uma eventual troca representa a constatação de que o governo não tem nem estratégia e nem coerência em seus atos. “Não se conhece muitos países no mundo que tiveram quatro ministros da Saúde em plena pandemia”, comentou um diplomata europeu.
Mas, de outro, a mudança é considerada como uma “oportunidade” para ampliar a pressão sobre o governo num sentido de reconhecer a dimensão da crise. Entre os pesquisadores estrangeiros, circularam ontem mesmo comentários de que uma das apostas para o cargo, a médica Ludhmilla Hajjar, teria uma forte formação científica.
No meio diplomático, o que se tenta é fazer chegar ao governo de Jair Bolsonaro a mensagem de que sua postura é “insustentável” e que outros governos que tinham adotado uma atitude negacionista já abandonaram a estratégia ou simplesmente mudaram de gestão, como no caso dos EUA.
O risco, segundo esses governos, é de um isolamento ainda mais profundo do Brasil no cenário internacional e com o fim das restrições de viagens adiado de forma indefinido.
Apoio internacional esbarrou em falta de coordenação nacional
Entre os organismos internacionais, a coluna apurou que houve um esforço para ajudar o Brasil, tanto com missões técnicas e orientações. Mas a iniciativa esbarrou na falta de coordenação do Ministério da Saúde e foi minada por mensagens contrárias por parte do Executivo. Resultado: o impacto da ajuda foi esvaziado.
Já na ONU, indígenas, ativistas de direitos humanos, ambientalistas, sindicatos de profissionais do setor de saúde proliferam denúncias e entregas de dossiês mostrando a atitude do governo de Bolsonaro diante da pandemia. A avalanche de acusações já levou diferentes organismos das Nações Unidas a examinar o comportamento do estado e cobrar, em cartas sigilosas, explicações sobre a realidade do país.
Ainda em 2020, diante de uma primeira onda de críticas, o Itamaraty disparou cartas aos diferentes organismos, inclusive para a OMS, explicando como o governo estava assumindo a responsabilidade por uma resposta e insistindo que medidas como o auxílio emergencial eram provas de que o Planalto estava agindo.
Agora, parte da pressão também vem de grandes investidores, que deixaram já claro aos membros da equipe econômica que existe um risco real de que, sem uma solução para a pandemia no Brasil, o país veja uma fuga ainda maior de investimentos ou, na melhor das hipóteses, uma paralisia em qualquer novo projeto.
Mesmo governos estrangeiros, alguns deles considerados como aliados, também já emitiram sinais ao Palácio do Planalto e ao Itamaraty de que o Brasil precisaria reavaliar sua estratégia e abandonar questões ideológicas. A recente visita ao governo de Israel, por exemplo, serviu como ocasião para que a delegação brasileira ouvisse das autoridades locais a importância da vacinação.
Nos organismos internacionais, o caráter negacionista do governo Bolsonaro, questionando o uso da máscara, atacando isolamento social e promovendo aglomerações, já foi alvo de encontros e apelos por mudanças.
Em alguns locais, porém, a ordem foi a de abandonar a cautela e falar abertamente sobre o risco sanitário que o Brasil representa para o mundo, principalmente depois de o país superar os EUA e passar a ser o novo epicentro da pandemia no planeta.
Desde a semana passada, a OMS escancarou as críticas e pedidos para que uma transformação fosse promovida nas políticas públicas.
Cuidadosamente talhadas, as frases da direção da OMS tinham como objetivo declarar uma insatisfação em relação ao governo Bolsonaro. Mas sem citar nem o nome do presidente e nem abrir uma crise institucional.
Há uma semana, o chefe de operações da OMS, Mike Ryan, deixou claro que, ao serem colocados em confinamentos, cidades ou estados não poderiam ser alvo de críticas. Mas sim de gestos de ajuda. Os comentários ocorreram dias depois que Bolsonaro atacou governos locais que implementaram medidas sociais.
Já o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, insistiu que o país precisa adotar “medidas sociais e medidas públicas agressivas”. “Isso será crucial”, afirmou. “Sem fazer algo para impactar a transmissão ou suprimir o vírus, não acho que teremos uma queda no número no Brasil”, insistiu.
Uma semana depois, uma vez mais o cuidado diplomático foi usado para lançar os alertas contra o governo, sem citar o nome de Bolsonaro.
“Gostaríamos de ver o Brasil ir em uma direção diferente. Mas isso vai exigir um enorme esforço para que isso aconteça. O sistema está sob pressão agora. Enquanto muitos países da América Latina estão indo em uma boa direção, o Brasil não está”, afirmou Ryan.
“Isso precisa ser levado a sério no Brasil”, insistiu Ryan. “Não tenho dúvida de que a Saúde brasileira, a ciência e o povo podem reverter isso. A questão é se eles terão o apoio que necessitam para fazer isso”, alertou, num recado direto ao governo Bolsonaro.
Fonte: UOL
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