Casa de Umbanda Santa Bárbara e Pai João da Guiné foi invadida e vandalizada no ano passado em Sumaré (SP)

Casa de Umbanda Santa Bárbara e Pai João da Guiné foi invadida e vandalizada no ano passado em Sumaré (SP) Imagem: Arquivo Pessoal

“Depois de invadirem o terreiro, quebrarem as imagens e rasgarem os atabaques, agora me ameaçam pichando o muro de casa.” De malas prontas, o pai Wesley Pereira Concas, 23, pretende mudar de cidade depois que seu terreiro foi invadido e destruído no ano passado, em Sumaré, no interior de São Paulo. Em todo o estado, as denúncias por intolerância religiosa triplicaram em apenas cinco anos.

Se em 2016 as delegacias de polícia registraram 5.214 boletins de ocorrência relatando intolerância religiosa, em 2021 foram 15.296 denúncias, revelam dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública) obtidos pelo UOL por meio da Lei de Acesso à Informação.

Preconceito contra evangélicos

Embora cristãos brasileiros não sejam perseguidos, a teóloga diz que “há preconceito contra os evangélicos por parte de alguns setores, inclusive cristãos”. “Os ritos e liturgia pentecostais são tratados como chacota por setores intelectuais e protestantes históricos”, diz. “E quem são os evangélicos? Segundo o Datafolha, o perfil é de mulheres negras da periferia que encontram seu refúgio na igreja.” “Há essa forma de intolerância”, diz, “mas ela não deve ser tida como cristofobia porque não existe perseguição”, como a que sofreu Wesley, que deci que decidiu mudar de cidade depois de seis meses de ameaças.

Já fui parado na porta da minha casa. Se me veem na rua, me xingam. Estou mudando por medo do que pode acontecer a minha família.” Pai Wesley Pereira Concas.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, desde agosto de 2021 está em funcionamento a Delegacia da Diversidade Online (DDD Online), “responsável pelo registro eletrônico de todas as ocorrências de intolerância ou preconceito por diversidade sexual e de gênero e demais delitos dessas naturezas”.

“Por determinação do governador do Estado, em decreto assinado em agosto do ano passado, as investigações de crimes relacionados à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual ou identidade de gênero são feitas, na capital, pela 2ª Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais, contra a Diversidade Sexual e de Gênero e outros Delitos de Intolerância, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), e, no interior, pelas Divisões Especializadas de Investigações Criminais (Deics) do Interior (DEIC).”

Algumas cidades se destacam no interior, como Ribeirão Preto. Com 720 mil habitantes, é a sétima cidade mais populosa do estado, mas foi a quarta em número de denúncias por intolerância religiosa no ano passado: 360 casos, depois de Campinas (482), Guarulhos (582) e a capital (5.963).

Os dados da secretaria, no entanto, são incompletos. As delegacias do estado só incluíram o termo “intolerância religiosa” nos boletins de ocorrência lavrados a partir de novembro de 2015, impossibilitando a análise de ocorrências anteriores a essa data.

Também faltam informações como sexo, idade e religião da vítima. Questionada, a Polícia Civil informou por nota “que melhorias são permanentemente estudadas pela instituição, sendo efetivadas e aplicadas de acordo com a legislação vigente”.

“Casa do diabo”

Pai Wesley tomou um susto ao ser informado de que a Casa de Umbanda Santa Bárbara e Pai João da Guiné, que funciona no quintal de sua casa, havia sido invadida depois que ele saiu para trabalhar no dia 7 de outubro do ano passado.

Prejuízo foi de R$ 5 mil em imagens quebradas na Casa de Umbanda Santa Bárbara e Pai João da Guiné, em Sumaré (SP) Imagem: Arquivo Pessoal

“Quando cheguei, o terreiro estava destruído. Não roubaram nada: quebraram as imagens e rasgaram os atabaques”, conta Wesley, que também precisou parar de distribuir marmita a moradores de rua. “Eles furaram o congelador do freezer e o cano do gás, rasgaram sacos de arroz, feijão e macarrão. Destruíram tudo.”
Depois de prestar queixa, sua casa passou a ser apedrejada, e o muro foi pichado.

“Escrevem ‘casa do diabo’, ‘pai de santo do diabo’. Eu ainda perdi o emprego”, lamenta. “Meu chefe, que é evangélico, me demitiu quando soube do caso.”

Multa ou cadeia
A intolerância religiosa só virou crime no Brasil em 1940, embora o Brasil seja um Estado laico desde a Constituição de 1890. O Código Penal prevê pena de multa ou detenção de um mês a um ano. Se houver violência, a pena é aumentada em um terço.

Dirigente da Casa de Caridade Pai João de Oyó, também em Sumaré, Fabiana Cavalcanti, 39, diz que algumas delegacias registram as denúncias como vandalismo, em vez de intolerância. “Sempre dizem que estão analisando, que fizeram perícia, mas as investigações não avançam”, afirma.

E a “cristofobia”?
Cerca de 62% das vítimas de intolerância religiosa no Brasil declararam ao Disque 100 —canal federal de denúncias— professar uma fé de matriz africana, como umbanda e candomblé. Evangélicos somaram 9,8% dos casos; católicos, 4,8%.

O dado, de 2018, contradiz declaração do presidente Jair Bolsonaro (PL), que em setembro do ano passado afirmou na ONU (Organização das Nações Unidas) que cristãos são perseguidos no Brasil.

Evangélica, teóloga e mestra em ciências da religião, a pesquisadora Angelica Tostes afirma que a destruição de terreiros “é parte de um racismo enraizado, que engloba todos os aspectos da vida, incluindo a espiritualidade”.

“A intolerância se dá pelo medo do desconhecido. Então quem professa uma religião de matriz africana é tachado de demoníaco, aquele inimigo que deve ser destruído”, diz ela, que rechaça a ideia de que exista “cristofobia” no Brasil.

Não existe perseguição contra os evangélicos no país. Nenhum cristão terá seu templo destruído, como acontece às casas de tradições indígenas ou terreiros.”
Angelica Tostes, pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

Ela atribui parte da violência contra religiões de matriz africana a setores evangélicos representados por “pastores brancos, famosos e raivosos”, mas lembra que a maioria dos evangélicos “é classe trabalhadora, mulheres, negros e moradores da periferia”.

Fonte: UOL

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