Artigo: Sem choro, nem vela
O assunto da morte é tema recorrente e recortado pelas mídias em tempo real. Assistimos as estatísticas mundiais e à medida que os números de morte aumentam isso nos assola mais de perto. A morte e sua ameaça de proximidade viraram nossa persistente companhia. Ela entra como um discurso viral pelas frestas do inconsciente e desenterra nossos medos mais íntimos. Assunto árduo quando a ideia de controle do ambiente entra em colapso e o pensamento de contágio se hospeda em nós.
O fato é que estamos em luto. O mundo que vivíamos não existe mais, ele está em transformação. Fora isso vamos lidando com perdas de pessoas, aqui e ali… cada um que se vai, uma tristeza, um pouco de nós deixam de existir. As notícias de morte veiculadas pela mídia acabam por espetacularizar os números e subtraem o aspecto simbólico inerente ao processo. Tem dor e sofrimento nestes números que são incalculáveis. Para levar o luto a termo é preciso, segundo Allouch (2004), dar por concluída a vida do morto em um ritual. É preciso que exista um público acolhedor das manifestações do luto, das expressões de dor e desespero do enlutado. O que assistimos é o oposto disso, a banalização da grande maioria da dor do outro.
O que me assusta nesta conjuntura é a ideia de uma morte anônima. Já que o processo de despedida foi modificado e restrito a algumas pessoas num curto espaço de tempo.. Diante da pressa dos rituais e da velocidade com que as mortes acontecem vocês devem imaginar o déficit de elaboração que deixará suas sequelas psíquicas.
Não tem havido fôlego para se fazer lutos atualmente. O tempo está precário em relação a nossa capacidade mental de metabolizar afetos. Daí um tempo estranho. Tudo é muito transbordante. Muitas mudanças simultâneas. Fora e dentro de si. Se a morte já era algo de difícil de ser tratado imagine agora com a conotações de contágio planetário.
Acho que levar a morte a sério, respeitá-la, é uma questão ética, filosófica e humana. Banalizar a morte diz mais de como você lida com sua vida e com as pessoas do que sobre sua morte.
Sheyna Vasconcellos é graduada em Psicologia pela UFBA, mestre em Família na Sociedade Contemporânea
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