Artigo: Qual é o problema do Brasil?

SEGUNDA-FEIRA, 11 DE SETEMBRO DE 2017
O povo brasileiro                                                        Os operário (1933), de Tarsila Amaral
* Levon Nascimento

Levadas pela overdose patrocinada pela mídia comercial, as pessoas pensam que o principal problema do Brasil é a corrupção. É “a tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite”, título de um dos estudos basilares do pensador social brasileiro e ex-presidente do IPEA Jessé Souza. Mais adiante ele diz: “a classe média é feita de imbecil pela elite”.

A corrupção, mesmo grave e escandalosa, é consequência de um problema muito maior, histórico e estrutural: a desigualdade social.

Sim, o Brasil é campeão em desigualdade social. Herança dos quase quatrocentos anos de escravidão.

Muitos poderão dizer que houve escravidão em outros países e que eles não são tão desiguais ou corruptos quanto o Brasil e estarão falando a verdade. Mas a nossa escravidão teve algumas particularidades bem decisivas e cruéis.

Desde que os portugueses começaram a plantar cana-de-açúcar no Nordeste, uns trinta anos depois de Cabral por os pés em Porto Seguro, que a escravidão se tornou o negócio mais lucrativo do país.

Primeiro foram os índios. Escravidão que persistiu até o século XVIII. E até agora em 2017 vemos fazendeiros, grileiros e garimpeiros matando tribos inteiras para ficar com suas terras. É um genocídio pior do que o nazista, porém escondido, marcado pela indiferença, acontecendo por desprezo das autoridades e das sociedades brasileira e mundial.

Depois, os povos negros foram capturados na África, trazidos nas piores condições em navios negreiros e transformados em bens semoventes. Bem semovente é boi, cavalo, cabra, porco. Pois era assim que se registravam nos documentos públicos a propriedade dos escravos humanos pertencentes a outros homens, os senhores brancos, como se fossem animais.

Essa escravidão toda durou quase quatro séculos e marcou a estrutura econômica, social, cultural e mental do povo brasileiro. Durante muito tempo, a maioria da população era composta de escravos. Em outras palavras, pouquíssimas pessoas tinham direitos de acordo com a lei. Não havia cidadãos. Existiam os privilegiados e os animalizados.

Essa realidade criou um país onde as pessoas não ambicionam a cidadania, onde não impera o sujeito de direitos. Queriam (e querem) se parecer com os senhores de escravos, os quais possuíam (e continuam a ter) privilégios.

Como se sabe, os privilégios de alguns e a vontade de os possuir, por outros, são as portas escancaradas para a subversão dos bens públicos e privados, ou seja, a corrupção e a desonestidade. Isto acontece no mundo inteiro, mas no Brasil é agravado por nossa secular estruturação de classes, fundada no escravismo colonial e na ausência de cidadania.

Enquanto durou a escravidão, era comum que o branco pobre ou o negro que conquistava a liberdade reproduzissem a estrutura social, fazendo de tudo para comprar um escravo para si, de modo a representar o status quo que consideravam a única possibilidade para a sociedade existir como tal.

Nos dias atuais, a classe média – também ela assalariada e explorada pela elite financeira – é conduzida pela lavagem cerebral midiática a querer se diferenciar dos demais trabalhadores, seja através da contratação “infra-legal” de empregados domésticos, pelo consumismo exagerado ou no culto à superioridade do mercado sobre o Estado (do privado sobre o público), típico de sociedades vazias de essência e subdesenvolvidas.

Pois esta mesma classe média tornou-se vassala e tributária das idéias mais atrasadas, antissociais e perpetuadoras de nossa histórica desigualdade. Foi a classe média que saiu às ruas vestindo a camisa amarela da corrupta CBF, ajudando a destruir a democracia, clamando contra programas sociais e políticas públicas que ajudam a diminuir a desigualdade social brasileira (Bolsa Família, cotas, valorização do salário mínimo, etc.), supostamente agindo em nome da moralidade, dos bons costumes e do combate à corrupção. Foi enganada, mas não se deu conta disso até o momento.

É também uma classe média que acha um horror pagar direitos trabalhistas a quem lhe serve, busca jeitinhos para empregar os filhos em prefeituras sem concurso público, burla filas e licitações e acha natural o nepotismo em órgãos públicos. Movida pelo mesmo espírito dos brancos pobres ou dos negros alforriados que compravam escravos, clama por intervenção militar, endurecimento da lei, pena de morte, por idéias fascistas e salvadores da Pátria machistas, misóginos e homofóbicos, de modo a lhe salvar do que ela pensa ser o principal problema do país: a corrupção… dos outros.

A classe média não percebe na desigualdade gritante a razão de nossos problemas. Acha que ao se diferenciar dos pobres favelados, roceiros e analfabetos funcionais (que mimetizam os antigos escravos da senzala), faz parte da elite nacional (simbolicamente os habitantes da velha casa grande). “Yes, nós temos bananas!”

E o país caminha aceleradamente a destruir direitos e democracia, conquistas de séculos, de sangue e de vidas de milhares de brasileiros. Por conta da preguiça mental de uma classe média indigente em termos de visão de mundo e de uma elite brutal, predatória, apátrida e colaborada com os interesses do imperialismo mundial.

Quem compreende essa realidade precisa se aproximar do povo pobre, trabalhador e lhe ajudar a compreender e a lutar por DIREITOS e DIGNIDADE HUMANA. Não é mais tolerável ouvir pobres como ventríloquos, culpando os que mais combateram a desigualdade social e acusando-os por todos os problemas seculares e atuais da Nação.

* Levon Nascimento é professor de História e mestrando em “Estado, Governo e Políticas Públicas” pela Flacso/Fundação Perseu Abramo.
Postado por LEVON NASCIMENTO às 10:13:00

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