Após Bolsonaro, Brasil precisa discutir a sério mandato único, sem reeleição

Matheus Pichonelli – Neste artigo: Jair Bolsonaro Capitão reformado, político e 38º presidente do Brasil.

Presidente do Brasil Bolsonaro – Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Em uma conversa obtida pela revista “piauí”, o presidente Jair Bolsonaro, irritado com o entendimento majoritário no Supremo Tribunal Federal de que não cabia às Forças Armadas arbitrar processos de votação no país, e sim apenas à Justiça Eleitoral, enviou ao ministro da corte Gilmar Mendes uma pergunta em tom de desafio: “O que teme o TSE?”

Na mensagem, Bolsonaro lembrou que o próprio Tribunal Superior Eleitoral havia convidado as Forças Armadas a colaborarem com as eleições deste ano e, portanto, cabia a ele, o comandante em chefe da instituição, acompanhar o pleito de perto.

A resposta de Gilmar Mendes foi didática. O magistrado reconheceu que, sim, de fato, Bolsonaro é o chefe das Forças Armadas. Mas é também candidato à reeleição. Como tal, poderia até exigir correção na apuração. Mas não podia ser juiz do processo.

A partir de 1998, a primeira eleição após a aprovação da emenda da reeleição no país, chefes de Estado no Brasil tem duas grandes preocupações ao longo do mandato. Um deles (quase sempre) é governar. O outro é conseguir mais quatro anos no posto.

Em época de eleição, é difícil dizer onde se embaralham as linhas que deveriam separar chefes de governo e quem se candidata a um novo mandato. Os dribles e malabarismos com a legislação eleitoral envolvem um esforço considerável para pedir votos fora do horário de expediente e sem as digitais da máquina pública.

Nem sempre funciona e nem sempre funcionou.

Mas em 2022, se ainda havia algum pudor entre as duas figuras, Jair Bolsonaro fez questão de mandar tudo às favas.

Bolsonaro está em campanha pela reeleição desde o primeiro dia do mandato. Mas a distância em relação ao líder nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez com que ele transformasse qualquer ato de governo em uma oportunidade para fazer a própria campanha de modo cada vez mais descarado.

Os deslocamentos, pagos com dinheiro público, para encontro com apoiadores em motociatas e outros eventos do tipo, são alguns exemplos já normalizados. Lá não está o presidente, mas o candidato divagando sobre bem e mal e os riscos que o país pode correr caso eleja outro postulante para seu lugar.

A desfaçatez atingiu um novo degrau, no começo do mês, com uma reunião na qual o presidente cobrou mais engajamento de seus ministros no enfrentamento a seu opositor. Como se os ministros fossem nomeados a serviço do candidato, não do presidente –ou, no limite, do restante do país. O Palácio do Planalto, vale lembrar, não é QG de campanha. Ou não deveria ser.

Nesta segunda-feira (18/7) a coisa atingiu um outro nível com uma reunião com embaixadores promovida pelo presidente, uma das partes interessadas das eleições de 2022, para fazer uma “apresentação técnica” sobre o sistema eletrônico do país.

Bolsonaro tem no ataque às urnas eletrônicas a sua principal cartada eleitoral. Ele tenta a todo custo colocar o sistema em dúvida. É o que permitirá alegar fraude em caso de derrota em outubro.

A reunião mal mal esconde o desejo do presidente de atuar como jogador e juiz do próprio jogo. Um jogo em que ele, e não os responsáveis pela Justiça Eleitoral, se dá ao direito de explicar aos estrangeiros o funcionamento do jogo –que, ele jura, está viciado.

Pior é que o mandatário faz isso usando a estrutura e o expediente de trabalho.

Bolsonaro é hoje o principal argumento contra o instituto da reeleição para chefes do Executivo no Brasil.

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