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O REINO DA MENTIRA

Rui BarbosaMentira toda ela. Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu, onde, segundo Padre Vieira, que não chegou a conhecer o Dr. Urbano dos Santos, o próprio sol mentia ao Maranhão, e diríeis que, hoje, mente ao Brasil inteiro. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentira nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas cousas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados aos caudilhos, mentira de caudilhos e apaniguados à nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentiras nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentiras nas garantias. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela mentira, que se acaba por se não se discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes não sabem se estão, ou não estão mentindo. Um ambiente, em suma, de mentiraria, que, depois de ter iludido ou desesperado os contemporâneos, corre o risco de lograr ou desesperar os vindouros, a posteridade, a história, no exame de uma época, em que, à fôrça de se intrujarem uns aos outros, os políticos, afinal, se encontram burlados pelas suas próprias burlas, e colhidos nas malhas da sua própria intrujice, como é precisamente agora o caso.

Já se entoou no parlamento republicano o panegírico do jogo. Já se lavrou na imprensa da atualidade a apologia da perfídia. Ainda não se ensaiou, numa tribuna ou na outra, a glorificação da mentira. Mas há de vir. Há de estar próxima. Já tarda. Não se concebe que se haja demorado tanto. É a justiça da nossa época a si mesma. Pelo hábito de preterir a tudo, acaba ela sem fim, destarte, preterindo a si própria.

(Rui Barbosa, Campanhas Presidenciais, 2ª edição, Livraria Editora Iracema, São Paulo, 1966, p. 165-6)