R$ 4,3 milhões em manganês são roubados de mina invadida na Bahia

2,2 mil toneladas do minério foram retiradas ilegalmente e levadas para Minas Gerais

Policiais durante operação contra exploração ilegal de manganês no distrito de Santa Luzia; dois garimpeiros foram detidos (Foto: Divulgação)

A névoa de poeira levantada por quatro carros forasteiros foi a senha de dispersão dos garimpeiros, no dia 4 de maio. Dos 70 aventureiros em busca da sorte prensada na superfície ou a poucos metros do chão, apenas cinco, com picaretas e pás em mãos, foram encontrados.

Vizinha do árido distrito de Santa Luzia, em Caetité, a mina de manganês era explorada ilegalmente há, pelo menos, um ano. Da terra abrasada pelo sol foram extraídas 2,2 mil toneladas do minério: R$ 4,38 milhões em produto, aproximadamente.

Os 16 policiais e dois agentes da Agência Nacional de Mineração na Bahia (ANM-BA), os visitantes do povoado naquela tarde do início do mês, chegaram ao garimpo por meio de uma estrada de terra.

Ao redor dos 500 hectares de terra, os garimpeiros que não evadiram a tempo confirmaram a denúncia recebida pelo órgão vinculada ao governo federal, no dia 2 de março. Ali, diariamente, 20 caminhões se revezavam para levar o minério roubado para Caetité, das 6h30 às 16h. Do Sudoeste baiano, o mineral seria levado para as siderúrgicas Eletroligas, em São Gotardo, e Fertiligas, em Sabará – ambas em Minas Gerais.

A mina estava em fase de pesquisa, quando a empresa interessada estuda a região e averigua o potencial econômico. Não havia, portanto, autorização legal da ANM para os trabalhos de extração começarem. Uma mineradora baiana, titular da área, havia começado a fase de estudos há oito meses.

Ao CORREIO, um dos representantes da empresa relatou que, cerca de 30 dias antes da operação policial, funcionários notaram um fluxo anormal de pessoas na região.

Foto: Divulgação

Aliciadores
Descobriram, então, como funcionava o esquema. Cada garimpeiro extraía o manganês por um ganho de R$ 250 semanal, supostamente aliciados por dois mineradores. Os exploradores, por sua vez, cobravam R$ 2,6 mil por tonelada. A acusação é de que a dupla emitia notas fiscais subfaturadas em 63% sobre o valor total da extração de manganês, bastante utilizado na siderurgia em ligas com ferro, compostos com aço e fertilizantes.

Contra um deles, não foi encontrada nenhuma prova. Já o nome do outro, Helvio Radinz, sócio da Radinz Mineração, foi encontrado em alguns documentos fraudados. O advogado de Radinz não quis se pronunciar. Assim como a Fertiligas. Já a Eletroligas afirmou, por meio do diretor Rogério Antunes: “Não recebemos nenhuma carga de Caetité. Tem mais de 20 anos que não negociamos com ninguém lá”.

A extração de qualquer tipo de minério no Brasil precisa, previamente, ser autorizada pela ANM. Sobre o valor gerado com a venda, incide uma taxa de 3%, determinada pelo imposto Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) – no caso do ouro, é 1%; no do ferro, 2%. Agora, caso seja comprovado o crime de usurpação de bem da união, os R$ 4,38 milhões deverão ser devolvidos à União.

Feita a operação na Mina das Cobras, a ANM elabora um relatório que será encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Advocacia Geral da União (AGU), atores da decisão final.

Fiscalização
No dia da operação, dois dos cinco garimpeiros encontrados foram levados à delegacia da cidade. Contaram detalhes da rotina no garimpo, do trabalho, do pagamento. Logo depois, foram liberados. Ocorre que a ANM decidiu mudar o foco da atuação: na mira, ao invés dos trabalhadores em busca de manganês, estão as empresas siderúrgicas e de fertilizantes que incentivam diretamente ou indiretamente a extração ilegal.

Na Bahia, são ao menos três mil pessoas que dependem da atividade mineradora ilegal, geralmente homens em condição de vulnerabilidade social, estimou o órgão a pedido do CORREIO. A corda raramente pendia para o lado mais forte.

“A operação consiste, agora, em localizar não apenas o extrator. Mas quem é a outra ponta do mercado? Quais são essas empresas que fomentam a lavra não autorizada?”, justifica Carlos Magno, chefe do Serviço de Fiscalização e do Aproveitamento Mineral da ANM-BA.

O órgão começou a realizar fiscalizações mais frequentes em Caetité e região há 20 anos, quando ainda era Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Hoje com 13 minas de manganês legalizadas, o município havia conhecido, até então, dois momentos de grande procura por manganês: na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, e em meados dos anos 80, contam geólogos ouvidos pelo CORREIO.

As constâncias de atividades ilegais, no entanto, começaram a expor a face obscura do garimpo de manganês. Em fevereiro de 2011, a polícia de Caetité, por exemplo, havia recuperado dez toneladas de manganês furtado de uma mineradora. Apenas em 2018, foram 27 denúncias relacionadas a usurpação de manganês. No Ministério Público da Bahia (MP-BA), calculou a instância também por solicitação da reportagem, estão em curso quatro procedimentos para apurar extrações ilegal no município.

Chefe da divisão de Fiscalização da ANM-BA, Cláudio Lima acredita que a descoberta do crime na Mina nas Cobras dialoga com a recente valorização da exploração do minério, observada, principalmente, desde o início deste ano.

“Quando acontece um aquecimento do mercado de aço, por exemplo, o manganês é valorizado. Também pelo fato de a extração ser, até certo ponto, simples, acontece essa busca pelo garimpo”, explica Lima.

É cedo, contudo, para que se fale em corrida para Caetité. A região, explicam Cláudio e Carlos, sempre foi rica em manganês. E a presença de garimpeiros já é uma realidade para visitantes e nativos. Mestre em Geologia pela Universidade Federal da Bahia, Jofre de Oliveira Borges, confirma. Durante a elaboração da tese, em 2012, ele estudou justamente o garimpo de manganês em Caetité, nome derivado do Tupi. Descobriu que a cidade, enquadrada em uma faixa de 100 quilômetros do Sudoeste da Bahia, é um “distrito manganesrífico”, ou seja, com elevado potencial de extração.

O manganês ocorre em camadas e costuma ser retirado em níveis. Diferentemente do ouro, explica Jofre, ele ocorre em rochas consolidadas. “Por isso dá para encher caçambas e mais caçambas de manganês”, justifica. Em média, o potencial de exploração, legal ou ilegal, minério é esgostado em cinco ou seis anos, calcula ele.

Motivo de preocupação
Paulo César foi um dos policiais avistados e alardeados pelos moradores de Santa Luzia no dia 4 de maio. Passada a operação, ele falou ao CORREIO sobre as ações policiais em áreas de extração mineral. Segundo ele, não há operações especiais, destinadas especificamente a descobrir ilegalidades. Mas, agora, com o recente despertar do manganês como objeto de disputa, revive um temor que repousa e acorda conforme o dinheiro passeia das minas às mineradoras e siderúrgias: a criminalidade.

“Os conflitos costumam acontecer quando está rolando dinheiro. É sempre assim, quando começa a rolar dinheiro, começam as brigas. A polícia acredita que a demanda vai crescer com essa nova movimentação”, entrega o policial.

A moradores de Caetité como Mário (nome ficticio), a operação do dia 4, e as futuras, são bem-vindas também por outro motivo. Para além do perímetro da segurança, há uma questão explicitamente econômica. O minerador soube da operação na Mina das Cobras dois dias depois do ocorrido. Chegou no sudoeste da Bahia na década de 80, autorizado a extrair manganês. Nas passagens em Santa Luzia, nos últimos meses, ouvia o burburinho dos garimpeiros recém-instalados, das toneladas de minérios extraídas na vizinhança do distrito.

Comemorou, em silêncio, a ação. “Eu, precisando pagar o imposto, não posso competir com quem não paga. Evidente: preciso repassar os custos. E aí, como ficam meus negócios?”, desabafa. Natural de Salvador, a mudança para a região foi motivada pelo interesse na extração de ametista. Àquela época, a mina do Brejinho das Ametistas, outro distrito valioso da cidade, começava a atrair a atenção de milhares de garimpeiros à procura da pedraria roxeada.

Lá, no entanto, decidiu se dedicar ao manganês. “A concorrência era muito grande. Além disso, também é mais fácil, digamos, extrair manganês. A gente não precisa de muita profundidade”, conta. Mas, aí, começaram a se tornar recorrentes as extrações ilegais. De manganês, de ametista, de ferro.

O geólogo Ricardo Fraga comenta: “A região mais rica, aqui na Bahia, é justamente aquela região sudoeste, onde está Caetité. Daí, aconteces os grandes booms, acompanhados de certa desinformação. A atividade acaba sendo realizada sem muitos critérios”.

Os números comprovam a assimetria entre produção e ganho: na Bahia (ainda não há dados específicos de Caetité), a União arrecadou somente R$ 4,4 mil com a extração e venda legais de Manganês em 2018. No Brasil, país com terceiro maior número de reservas mundiais de manganês, foram R$ 15,9 milhões neste ano; em 2017, R$ 34,6 milhões.

O chefe do Serviço de Fiscalização e do Aproveitamento Mineral da ANM-BA, Carlos Magno, declarou à reportagem que as recentes investidas na modernização do sistema pode contribuir para aumentar a arrecadação, e até acompanhar e desmascarar eventuais irregularidades.

Na cidade de Caetité, o 42º Produto Interno Bruto do estado (R$ 13,8 mil per capita), no entanto, as irregularidades ainda não são eventuais. Tampouco na Bahia. A terra, com 1,5 mil lavras autorizadas, é exaurida silenciosamente, os braços de milhares de garimpeiros procuram a sorte escondida na terra. A grande luta, agora, é fazer com que eles não retornem à exploração ilegal: deles e do minério.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.

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