Inflação sem controle: por que está tão caro comer o básico no Brasil?
Por Ethieny Karen e Thalya Godoy
“Certeza eu não tenho se vou ter comida todos os dias. Realmente dá medo da comida acabar antes do fim do mês. E as compras não dão para o mês todo porque tudo está muito caro, é arroz, carne, leite, verdura. Está muito difícil…”
O relato de Isabel Cristina ilustra as incertezas sobre a alimentação de cada dia de muitos brasileiros, especialmente neste período de pandemia. O volume e diversidade de comida no prato está rareando com a compra do mês cada vez mais cara.
Alimentos que são usados com frequência nas cozinhas dos brasileiros chegaram a ter aumento de 91,88% nos preços, como o caso do óleo de soja. O cenário, que lembra os anos 80 para quem viveu, traz de volta uma grande conhecida do brasileiro: a inflação.
Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), outros alimentos também tiveram uma alta significativa em 2020, como o arroz (76%), batata (68%), tomate (53%), carnes (18%) sendo a proteína suína (30%), leite (17%), aves e ovos (15%) e pães (6,5%). Há mais de duas décadas não estava tão caro comer no Brasil.
Uma pesquisa do Datafolha entrevistou 3.667 brasileiros, em 190 municípios, entre 13 a 15 de setembro para saber sobre o consumo de alimentos neste ano.
Entre os entrevistados, 67% relatam terem reduzido a carne bovina; refrigerantes e sucos foram 51%, e lacticínios, como leite, queijo e iogurte foram diminuídos entre 46% da população. Frango, porco e outros tipos de carnes caíram 39%. Nem mesmo o Exército brasileiro deixou de ser afetado pela oscilação no preço dos alimentos, para se ter ideia do impacto disso no cotidiano.
O ovo, visto como uma proteína substituta mais barata diante das concorrentes bovina, suína e de frango, ganhou mais espaço na dieta neste ano, com crescimento de 50% no consumo.
Os alimentos que apresentaram maior estabilidade são os clássicos do prato brasileiro. O arroz, com 41%, e, logo em seguida, o feijão, com 40% dos entrevistados que relataram não terem mudado o consumo.
Segundo estimativas da FGV, em abril de 2021, 27,7 milhões de brasileiros (12,98%) estavam abaixo da linha da pobreza, com renda de R$ 261 mensais (US$ 49). Em 2019, o número era de 23,1 milhões de pobres (10,97%).
Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), outros alimentos também tiveram uma alta significativa em 2020, como o arroz (76%), batata (68%), tomate (53%), carnes (18%) sendo a proteína suína (30%), leite (17%), aves e ovos (15%) e pães (6,5%). (Yahoo Notícias).
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Daniela Farias, moradora da zona oeste de Salvador, capital da Bahia, é mãe de seis filhos e relata a dificuldade em comprar alimentos básicos.
“Tem meses que eu não compro uma carne vermelha. Ultimamente, nem frango consigo comprar. Compro este steak [frango ultraprocessado] porque estava na promoção, igual os ovos e salsichas”, conta.
Quando trabalhava Daniela, gastava, em média, R$ 700 com as compras mensais do mercado, mas desde que se encontra desempregada tem tido dificuldade para gastar metade deste valor quando vai às compras.
O aumento no preços dos alimentos impossibilita Daniela inclusive de procurar emprego, uma vez que não sobra dinheiro para comprar comida e pagar o transporte para se deslocar até a uma agência de emprego. Daniela precisa escolher entre os dois: comer ou procurar trabalho.
A falta de alimentação adequada é um problema para a saúde de adultos e crianças, como explica a nutricionista Mayana Silva. “Uma alimentação restrita em apenas arroz e feijão tem uma quantidade bacana de carboidratos e proteína, só que não vai ter vitaminas, minerais e lipídios. Isso que vai fazer nosso corpo ficar em deficiência”.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de agosto deste ano, apontam que o custo médio da cesta básica subiu em 13 das 17 capitais analisadas. As mais caras estão em Porto Alegre (RS), com o valor de R$ 664,67, e em Florianópolis, ao custo de R$ 659.
As mais baratas foram a de Aracaju, avaliada a R$ 456,40 e em Salvador, a R$ 485,44.
Na capital gaúcha, o salário mínimo para uma família composta por dois adultos e duas crianças deveria ter sido equivalente a R$ 5.583,90, o que corresponde a 5,08 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00.
A pesquisa do Dieese ainda revela que o valor da cesta básica consome até 65% do salário mínimo líquido, ou seja, quando descontado o valor referente à Previdência Social (7,5%).
Pessoas de menor renda são mais afetadas pela inflação
A inflação dos alimentos foi mais severa especialmente com os mais pobres. A avaliação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – responsável por medir a inflação referente ao consumo das famílias, aponta que o custo de vida da classe de renda alta subiu 3% em 2020, enquanto a classe pobre sofreu com o dobro, 6%. A classe média registrou 4%.
Em 2021, o cenário se repete, castigando as pessoas com menos renda. A inflação para este grupo ficou acima de 9%; a classe média com 8%, e atrás as famílias com renda alta, entre 6 a 7%, diz o Ipea.
O IPCA geral fechou em 2020 com avanço de 4,52%, maior taxa desde 2016. A inflação dos alimentos, em especial, foi três vezes maior, com 14,1%.
O que explica a alta da inflação?
O cenário de alta da inflação está ligado às mudanças nos padrões de consumo associadas à pandemia, o timing e o montante alto da transferência pública de renda (auxílio emergencial), os desarranjos das cadeias produtivas, problemas climáticos, a elevação dos preços internacionais das commodities e, principalmente, a disparada do dólar, explica o coordenador científico do Cepea, Geraldo Barros.
Vitor Benites tem 21 anos e trabalha como web designer. Durante a pandemia, ele sentiu o seu poder de compra diminuir. Carnes, óleos e alimentos supérfluos foram os principais alimentos que cortou da lista na ida ao supermercado e algumas medidas foram tomadas para que os alimentos durem mais.
“Agora eu faço a feira a cada duas semanas, evito o desperdício de alimentos, fazendo receitas que aproveitam partes como cascas de vegetais. Compro em quantidades menores e troquei os refrigerantes por sucos, e acabo comendo fora bem menos”, ele conta.
Ligia Soares, 25, é estudante e mora em Curitiba com o namorado. Ela comprava muitas frutas, verduras, grãos variados e carne, mas devido a alta de preço isso se tornou mais escasso. Durante a pandemia os pais de Ligia, que enviavam dinheiro para custear sua estadia em outra cidade, ficaram desempregados, o dinheiro foi diminuindo e ela teve que recorrer ao auxílio emergencial.
Agora ela busca os sacolões de Curitiba, onde compra frutas e verduras por preços bem baixos e assim pode ter uma alimentação mais nutritiva e balanceada. O namorado de Ligia, que trabalha, acaba comprando itens como carne de aves e alimentos mais caros uma vez ao mês, o que fez com que diminuíssem o consumo de proteína animal.
O que explica a instabilidade do mercado?
A insegurança sobre o comportamento imprevisível das instituições – envolvendo os três poderes da República, e seus embates, tem aumentado o risco-país (medidor de instabilidade econômica) e afastado investidores internacionais, explica o coordenador científico do Cepea. Esse cenário explica, em parte, a forte valorização do dólar sobre o Real e a permanência no patamar elevado.
Em janeiro de 2020, a moeda norte-americana estava avaliada a R$ 4, e terminou o ano em R$ 5,18, acumulando alta de 29,33% no ano. Há quem diga que pode chegar a R$ 6 ainda neste ano.
“O Cepea calculou que o efeito do dólar na explicação do choque não esperado de preços dos alimentos no Brasil, foi, em 2020, cinco vezes maior do que o dos preços das commodities”, afirma o pesquisador Barros.
A valorização do dólar afeta toda a cadeia de produtos importados e exportados, além de funcionar como um balizador dos reajustes de preços na economia em momentos de incerteza, afirma Barros. Também entram nessa conta os preços dos combustíveis que afetam, por conseguinte, o frete de todos os bens.
Outro setor que onera fortemente o consumidor de baixa renda é o de transporte urbano, devido ao custo da energia que tem como fonte petróleo e derivados, muito influenciado pelo dólar.
No setor de produção de alimentos, a alta do dólar em geral favorece o segmento exportador, refletido nos dados da balança comercial das exportações do agronegócio em 2020. O faturamento somou US$ 101 bilhões, crescimento de 4% na comparação com o ano anterior, enquanto o volume embarcado subiu 10%, ambos recordes na série histórica do Cepea.
O Brasil teve uma safra de grãos no ciclo 20/21 estimada em 252,3 milhões de toneladas, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Apesar do volume impressionante, o país sofre com uma forte alta no preço dos alimentos.
O economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Kfoury, afirma que a valorização no preço das commodities foi sentida mundialmente e que os preços no mercado interno não dependem somente da produção brasileira.
“Houve um grande aumento da demanda mundial por alimentos, o que fez com que os preços subissem muito. Além disso, a desvalorização da moeda fez com que os preços dos alimentos aumentassem ainda mais. Desde o início da pandemia, em fevereiro de 2020, os preços das commodities agropecuárias subiram 60%”, explica o professor.
A previsão para os próximos meses sobre os valores dos alimentos não é muito otimista, segundo Kfoury. Os preços no mercado atacadista de produtos agrícolas continuam crescendo e para os próximos meses a expectativa é que permaneçam a subir.
Fonte: Yahoo
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