Economia e Mercado Comércio e Serviços em meio à pandemia: coronavírus e falta de articulação no Governo
O ano de 2020 começou com o que vem sendo a mais grave pandemia desde a gripe espanhola ocorrida em 1918. Os efeitos vêm sendo devastadores não apenas para os sistemas de saúde, mas também para a economia mundial. Só nos Estados Unidos, 22 milhões de pessoas pediram seguro-desemprego ; na China, uma das maiores potências econômicas mundiais, houve uma queda de 6,8% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre , além de vários países que estão criando pacotes trilionários de ajuda no combate à pandemia. De fato, para o Fundo Monetário Internacional (FMI), a crise que vamos enfrentar vai ser a maior desde a grande depressão de 1929, com 170 dos seus 189 países membros podendo ter queda na renda per capita esse ano.
Os efeitos causados pela pandemia em territórios de países periféricos do capitalismo, como o Brasil, poderão vir a ser ainda mais impactantes. No caso brasileiro, vivemos em uma economia que apresenta baixas taxas de crescimento desde 2014 e os resultados mensurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2019 apresentaram a menor taxa de crescimento dos últimos 3 anos (1,1%). Acrescido de alterações institucionais e legais significativas como aprovação das reformas trabalhistas e previdenciárias além de significativa restrição nos gastos governamentais que afetam setores-chaves para promoção de desenvolvimento, o país pode sentir com mais intensidade tanto a crise econômica, quanto a do sistema de saúde.
Nas atividades econômicas, os efeitos da crise causada pelo coronavírus tendem a ser especialmente fortes para os setores de comércio e serviços. A razão é simples: com a necessidade indiscutível de isolamento social para conter a disseminação do vírus, pessoas passam a consumir menos, em média, e ocorre uma alteração no padrão de consumo. Os itens de primeira necessidade como alimentos e medicamentos passam a ser prioridade, enquanto que comércio e serviços não essenciais – quando não diretamente fechados por meio de decretos das esferas governamentais – passam a ver uma queda em suas atividades resultante da própria pandemia. Com isso, milhões de pessoas podem perder seus empregos, tendo suas rendas afetadas, o que acaba retroalimentando a queda no comércio e nos serviços, corroborando para uma crise econômica sem precedentes.
Até esse momento, ainda não temos estatísticas oficiais do IBGE para verificar os efeitos da Covid-19 sobre o comércio e sobre os serviços para os meses de março e abril, períodos em que começaram a ocorrer os decretos de isolamento social em todo o país. Porém, já é possível ter alguma ideia dos impactos a partir de dados disponibilizados por empresas como o Google e Cielo.
No relatório de mobilidade para de 11 de abril, disponibilizado pelo Google , é possível ver que em todo o Brasil houve uma queda de 59% na movimentação de pessoas em lugares como restaurantes, shoppings, cinemas e etc. Enquanto que em transportes públicos como metrô e ônibus a redução foi de 52% e em locais de trabalho 36%. Por outro lado, a redução da mobilidade supermercados e farmácias caíram apenas 5%. O mesmo relatório também disponibiliza dados de mobilidade para o estado da Bahia. Em restaurantes, shoppings e etc., a redução na mobilidade para a Bahia foi de 65%; transporte público, 68%; local de trabalho, 40%; e supermercados e farmácias, 27%. Todas as quedas superiores à média nacional.
Essa diminuição na movimentação de pessoas impacta diretamente as vendas do comércio e dos serviços. Segundo boletim publicado pela Cielo no dia 17 de abril , no Brasil houve uma queda de cerca de 27,3% no faturamento de todo o varejo durante o período que vai de 1º de março a 16 de abril. Segundo o referido documento, o setor de serviços foi o que imediatamente deteve maior queda no faturamento (que incluem setores como turismo, transporte, bares, restaurantes, entre outros), com queda de cerca de 54,9%, seguido do setor de bens duráveis (vestuário, móveis e eletrodomésticos, e etc), que viu uma queda no faturamento de 42,6%. O setor com a menor queda foi o de bens não duráveis (supermercados, farmácias e etc), com redução de apenas 0,5%. Dados desse tipo ainda não estão disponíveis para a Bahia.
Esses números mostram o cenário de crise econômica que está sendo construído e o que nos espera para os próximos meses. Algumas medidas aparecem como necessárias e urgentes para amenizar o efeito da crise econômica que está por vir. De início, é preciso reconhecer que o melhor método que temos, no momento, para conter o avanço da doença – considerando que ainda não temos vacinas nem tratamentos específicos para o coronavírus – é reforçar e ampliar a política de isolamento social e investir pesadamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Com o isolamento podemos ganhar o tempo necessário para que se garanta ao SUS todos os recursos necessários para a manutenção e ampliação de leitos e UTIs, de forma a garantir o tratamento de todos os casos críticos, evitando o colapso do nosso sistema de saúde.
Segundo, como nota a economista Laura Carvalho , os mais pobres são os mais vulneráveis durante a crise econômica e de saúde pública, seja pela maior propensão a perder seus empregos e rendas, seja pelo acesso mais precário ao sistema de saúde e ao mínimo de saneamento básico. Esse padrão já é verificado na realidade. Em São Paulo, as mortes já se concentram em áreas pobres e dados preliminares do ministério da saúde mostram que pretos e pardos já são desproporcionalmente representados no número de mortes por Covid-19 . De fato, tudo indica que a desigualdade social brasileira pode servir como combustível para uma catástrofe ainda maior. Nesse sentido, garantir uma renda mínima para os mais vulneráveis é imprescindível.
A proposta mais discutida nesse caminho é a da Renda Básica Emergencial, já concretizada pelo Auxílio Emergencial para desempregados, informais, beneficiários do Bolsa-Família e pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). Há vários problemas na implementação dessa medida: informações disponibilizadas pelo governo federal são escassas, há um grande número de potenciais beneficiários fora da abrangência por não estarem em nenhuma base cadastral (Receita Federal, Ministério do Trabalho, CadÚnico) e viverem em situação de informalidade. Além disso, muitas pessoas não têm acesso adequado às ferramentas disponibilizadas pelo governo para solicitar o auxílio, seja pela falta de acesso a internet, seja por não terem um celular ou telefone ou pelo simples fato de serem analfabetos funcionais. A implementação da Renda Básica Emergencial necessita levar essas problemáticas em conta, de forma a para garantir um nível adequado de consumo ao máximo de famílias, suavizando, assim a queda no nível de atividade.
Em terceiro lugar, é necessário garantir a sobrevivência de micro e pequenas empresas assim como dos empregos que compõem a maior parte do comércio e serviços. Para as pequenas empresas, é possível fornecer crédito subsidiado por meio dos bancos públicos, para que as empresas consigam ampliar seu capital de giro durante a crise. Para garantir a sobrevivência dos empregos, pode-se subsidiar os salários dos trabalhadores, como vem sendo feito na Europa . A primeira medida já vem sendo implementada de certa forma pelo Governo Federal, com a liberação de linhas de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelos outros bancos públicos. A segunda medida, de subsídio dos salários, apesar de planejada pelo Ministério da Economia, ainda demora para sair do papel, perdendo tempo e oportunidade para se salvar milhões de empregos.
Por fim, para que tudo isso se concretize, o governo federal precisa garantir condições para a aplicação dessas políticas em união com governos estaduais e municípios. Isso, porém, parece ser o mais complicado. O presidente Jair Bolsonaro vem dando exemplo negativo de como conduzir a pandemia: além do desrespeito às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), seus discursos foram sempre de encontro às recomendações do próprio ministério da saúde. Além disso, os conflitos com os governadores e prefeitos deixa distante qualquer possibilidade de ação conjunta das esferas governamentais. Para todos os efeitos, Bolsonaro parece ser um dos únicos líderes mundiais a não levar a pandemia a sério. Enquanto o presidente se esforça para obstruir qualquer ação mínima do combate, os efeitos práticos dos seus discursos já são vistos desde o uso indiscriminado de remédios como a Cloroquina, que não tem efeitos comprovados contra a doença, até crescentes protestos de apoiadores do governo federal pelo fim das medidas de isolamento social. Com isso o país parece entrar em uma batalha em duas frentes: a primeira contra a pandemia e a segunda contra as recomendações anti-científicas do presidente. Sem a coesão e o papel de liderança que se espera do governo federal, a tragédia na saúde e na economia pode ser ainda maior do que a que esperamos.
*Silas Genário – Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia na Faculdade de Economia da UFBA.
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