E agora Maria?

Como o feminismo deve reagir diante da simpatia por um candidato misógino?

Bolsonaro disse que vai se empenhar em eleger o maior número de parlamentares para endurecer leis penais (Mateus Bonomi/AGIF/Folhapress)

Em inúmeras oportunidades, Bolsonaro (PSL) deu demonstrações de misoginia. Defendeu reiterada vezes que a luta das mulheres por equiparação salarial é sem sentido. Seria natural valermos menos no mercado de trabalho. Debochou da condição feminina em muitas ocasiões. No clube A Hebraica do Rio de Janeiro em 2017, disse que tinha cinco filhos, que os quatro mais velhos eram homens e que, na concepção do quinto rebento, teria “fraquejado”. Por isso, teria vindo uma menina. Enfim, em episódio paradigmático, o pré-candidato afirmou que não “estupraria” a deputada Maria do Rosário (PT) porque ela não “mereceria”. Em 2015 em entrevista ao jornal Zero Hora, voltou a declarar que a deputada seria “feia demais” para ser estuprada.

A trajetória de Bolsonaro é recheada de exemplos de desrespeito às mulheres. O deputado naturaliza a violência contra a mulher, a cultura do estupro e reproduz os consensos que pautam o velho normal contra qual feministas do Brasil estão em guerra nas ruas e nas redes.

Como explicar, então, a simpatia de tantos, inclusive de tantas, por alguém que reproduz esse discurso de ódio? Aí reside o verdadeiro perigo. Bolsonaro não nos preocupa, o bolsonarismo sim. O apoio crescente ao pré-candidato prova que estamos diante de um fenômeno de raízes densas que não é trivial ou transitório e cujas explicações estruturais e conjunturais precisam ser melhor compreendidas.

O mesmo conclui a cientista social Esther Solano em pesquisa inédita a ser publicada pela Friedrich-Ebert-Stiftung. Solano afirma, após entrevistar homens e mulheres que declaram intenção de voto em Bolsonaro nas eleições de 2018, que há no Brasil um conservadorismo de bases sociais e política sólidas. A crise democrática, a crise econômica, a incapacidade dos partidos da esquerda tradicional na interlocução com esses cidadãos inseguros diante do futuro incerto, a retórica antipolítica; o populismo do combate contra a corrupção e a crise da segurança pública são, para a pesquisadora, alguns dos elementos que compõem o imaginário dos que simpatizam com Bolsonaro. 

Some-se a isso a percepção negativa que muitos nutrem do termo feminismo (que remete para este conjunto de indivíduos a uma postura “exagerada”, “vitimista”, “agressiva”, fruto de “mimimi”) e o resultado é paradoxal. Há um número expressivo de pessoas que concordam com pautas da luta feminista, mas demonstram hostilidade diante dessa luta e dos discursos que a sustentam. Solano nos oferece dados importantes para ilustrar essa afirmação. Na manifestação em apoio à Operação Lava Jato de 25 de março de 2017, a equipe da pesquisadora perguntou a manifestantes sobre o feminismo. 57.2% concordam com a afirmação “feminismo é machismo ao contrário”. 60% se dizem nada feminista. Porém, quando questionados a respeito de pautas relativas à luta feminista, a hostilidade evapora: 51.6% pensam que fazer aborto deve ser um direito da mulher, só 4.1% afirmam que lugar da mulher é em casa cuidando da família e 90.6% entendem que a mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada. 

Combater a animosidade diante do feminismo que permeia o bolsonarismo implica entender este imaginário político em toda a complexidade e multidimensionalidade. Deslegitimar as opiniões desse grupo não nos ajuda. Nesse momento perigoso, feministas devem estar ainda mais dispostas ao diálogo. Ou entregamos de bandeja corações e mentes para quem sabe instrumentalizar o medo e a insegurança em favor de um projeto político autoritário que ameaça a garantia de direitos fundamentais de todos.

Fonte: Folha de São Paulo

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