Cultura: Rita Lee diz que ‘dói na alma’ ver ‘filme de horror’ que está acontecendo no mundo

“No ar que eu respiro, eu sinto prazer”, cantou ela um dia. Agora que está tudo contaminado, Rita Lee conta que anda “com uma tristeza que dói na alma”.

Longe de um final feliz, hoje ela se “congela ao assistir a esse filme de horror que está acontecendo no mundo”, principalmente no Brasil. São tempos cruéis, mesmo para uma mulher que está acostumada a uma espécie de quarentena rural há oito anos.

O escape para essa escritora cada vez mais engajada tem sido por vias literárias. Escrever “é um ato solitário que me deixa leve”, Rita conta em entrevista. “Gosto de me sentar diante do meu velho iPad e soltar o santo”.

Duas obras infantis saem agora pela Globo Livros, totalizando já cinco contos da Vovó Ritinha para esse público, em reedições atualizadas de obras que a cantora lançou entre os anos 1980 e 1990. As novas publicações se somam desde o ano passado à autobiografia bestseller e os despojados “Dropz” e “FavoRita”.

Para as crianças, ela adota sempre uma proposta gritante de conscientização ambiental. “A raça humana tem se comportado com nossa Nave Mãe Terra como esse vírus maldito, pondo em risco todas as formas de vida, inclusive a si própria”, diz ela, ecoando alertas do líder indígena Ailton Krenak. “E isso é uma sacanagem com as crianças, que vão herdar um planeta fisicamente, psicologicamente e espiritualmente doente.”

Ela reconhece que há algo de educadora nesse trabalho. “Quanto antes a criançada ficar ciente das barbaridades que acontecem na natureza pelas mãos dos adultos de hoje, tanto melhor.”

Os livros que saem agora, curtinhos, simpáticos e meio alucinados, miram a denúncia de queimadas, do roubo de pedras semipreciosas e de usinas nucleares incrustadas num paraíso litorâneo pelos malvados Reis de Angra.

Dos minileitores, tem recebido um retorno enfático. Rita diz que ficam interessados, principalmente, em saber por que os adultos permitem que tragédias contra o meio ambiente aconteçam sem que ninguém faça nada.

“Crianças sacam e apreciam quando adultos dizem a verdade, por mais triste que seja. Mostre a elas o fogo consumindo milhares de árvores, conte a elas que os animais -que sentem dor e medo, como a gente- são tratados como coisas”, se inflama a vovó roqueira de 72 anos. “E, se você reclama do confinamento, pense nos animais dos zoológicos do mundo.”

A ela, o isolamento não parece incomodar. Afinal, está cuidando mais de si entre bichos soltos e plantas para dar e vender. Só um ponto a incomoda. “A primeira coisa que quero fazer quando essa primeira grande guerra mundial biológica acabar é dar uns amassos nos meus filhos e netos.”

Está sozinha no sítio, conta, com um namorado que a “aguenta há 43 anos”. Ao lado de Roberto de Carvalho, aliás, também tem escrito muita música. “Roberto e eu temos uma coleção de demos inéditas e caseiras que daria para fazer três discos. Nós deixamos o palco, mas a música da dupla continua firme e forte.”

Há quatro meses, quando começava a pandemia e o confinamento, ela fez um monte de gente feliz ao cantar “Saúde”, com o marido ao piano. Também apareceu no Instagram para contar histórias, gerando expectativa para um revival mais longo de uma cantora tão reclusa quanto popular.

Depois de milhares e milhares de lives, parece que agora só falta Rita. Mas ela afirma que, apesar de ter adorado ver Milton Nascimento, Gil e Caetano na TV -“realmente me deram um quentinho na alma”–, dar uma canja ela mesma está fora de questão, por falta de produção e de ânimo.

Mas quem sabe um belo dia ela resolva mudar.

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