Corrupção no Rio movimentou R$ 6,1 bilhões em 20 anos

PUBLICIDADE Artigo: A construção da integridade

Outra operação da força-tarefa, em junho deste ano, a Favorito, que contabilizou um desvio de R$ 500 milhões em contratos fraudulentos na Saúde do estado com Organizações Sociais (OSs), trouxe um velho personagem à tona: o empresário Mário Peixoto, que, de acordo com procuradores, abocanharia recursos públicos desde a gestão de Cabral

RIO — Desde “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, publicado por Mário de Andrade em 1928, as definições de corrupção no Rio foram tão atualizadas que passam longe dos malfeitos do clássico anti-herói. Nas últimas décadas, foram inúmeros os escândalos no estado que levaram para a cadeia governadores, deputados e até conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que deveriam zelar pelo dinheiro público. Levantamento feito pelo GLOBO em publicações e junto a órgãos de controle identificou que esquemas de propinodutos movimentaram, segundo denúncias, mais de R$ 6,1 bilhões desde 1999 em superfaturamento, pagamentos irregulares e lavagem de dinheiro envolvendo autoridades. O céu é o limite se a esse valor fossem acrescentados desvios de prefeituras e da União no Rio.

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Com o dinheiro desviado seria possível acabar a Estação Gávea do metrô da Linha 4 (General Osório-Barra), estimada em R$ 1 bilhão, executar o projeto de reurbanização da Rocinha anunciado pelo governador afastado Wilson Witzel (R$ 1,5 bilhão), tirar do papel o projeto da Cedae de universalizar o saneamento básico da Baixada de Jacarepaguá, incluindo todas as favelas (R$ 2 bilhões), e até despoluir o Rio Guandu (R$ 1,4 bilhão).

Mas o diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Manuel Thedim, destaca que os prejuízos vão muito além do custo corrupção. São como uma bola de neve.

— A parcela de corrupção existente em um contrato gera dependência do contratante com o contratado. Se fizer exigências, poderá não receber a propina. Pode haver mudança de projeto e prejuízo na qualidade da execução — analisa Thedim.

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O economista esperava que, ao longo dos anos, com as denúncias e prisões, a situação melhorasse. No entanto, Wilson Witzel, que assumiu há um ano e meio, é mais um a ser investigado.

— Parece que as pessoas perderam a vergonha — afirma ele. — Não há desenvolvimento sem instituições fortes. Quem quer investir num estado governado por corruptos?

. Foto: . PUBLICIDADE Falta controle Professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), o cientista político Eurico Figueiredo destaca que nossos governantes não têm compromisso nem ética na política para cumprir o que dizem.

— Além disso, o estado não tem instrumento de controle sobre si mesmo. Isso facilita, por exemplo, que licitações sejam burladas — diz, atribuindo parte da responsabilidade à cultura do caixa dois, que é o combustível das eleições. — O culpado não é o povo que votou nesse ou naquele político. O descompromisso é dos eleitos com a população.

O levantamento do GLOBO começou em 1999, quando Anthony Garotinho governava o Rio e Rodrigo Silveirinha era subsecretário-adjunto de Administração Tributária. Em 2003, estourou o escândalo do propinoduto, envolvendo quatro funcionários do governo, entre eles Silveirinha, e quatro auditores da Receita Federal, acusados de lavagem de dinheiro e remessa ilegal de dólares.

Ainda em 2003, a Justiça Federal do Rio condenou 22 réus do propinoduto. Silveirinha recebeu pena de 15 anos e cinco meses de prisão, mas, no ano seguinte, foi solto por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal. Desde então, o caso se arrasta na Justiça. Em março de 2018, Silveirinha foi flagrado dirigindo um táxi.

Dos cinco governadores que assumiram desde 1999 — sem contar os vices que ocuparam o cargo —, apenas Wilson Witzel não foi preso, mas foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 28 de agosto, suspeito de desvios na Saúde. Dos quatro presos, só Sérgio Cabral, investigado pela Lava-Jato do Rio, está atrás das grades desde 2016, e recebeu condenações que já somam 284 anos de prisão por organização criminosa, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações.

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Preso no fim de 2018, Luiz Fernando Pezão foi solto pelo STJ em dezembro do ano passado. Ele usa tornozeleira e só pode sair de casa entre 6h e 20h.

— Não tenho boi, vaca, jet-ski, ilha ou fazenda. Nem conheço doleiro. Não tive nem a oportunidade de me defender, como está ocorrendo agora com o julgamento do impeachment do Witzel. Fui preso por uma decisão monocrática do STJ, faltando 33 dias para acabar o governo. Nunca vou me esquecer desse um ano e 12 dias que fiquei preso — diz Pezão.

Alvo do Ministério Público estado (MPRJ) e da Lava-Jato — força-tarefa que inclui Ministério Público Federal (MFP) e Polícia Federal —, as obras da Linha 4 do metrô foram as que deram maior prejuízo ao erário, com superfaturamento de R$ 2,6 bilhões, segundo o MPRJ, em valores atualizados. Os desvios na reforma do Maracanã para a Copa de 2014 também foram altos: R$ 300 milhões, em números de hoje. No PAC das favelas, chegou a pelo menos R$ 150 milhões. Já as investigações da Lava-Jato/MPF — várias delas tratando de fatos apurados também pelo MPRJ — se concentram em propinas, evasão fiscal, lavagem de dinheiro e danos morais, não abordando o superfaturamento, explica a procuradora da República Fabiana Schneider. Uma das operações que miravam somas vultuosas foi a Unfair Play (para apurar a compra de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016): danos materiais e morais de R$ 1 bilhão.

Outra operação da força-tarefa, em junho deste ano, a Favorito, que contabilizou um desvio de R$ 500 milhões em contratos fraudulentos na Saúde do estado com Organizações Sociais (OSs), trouxe um velho personagem à tona: o empresário Mário Peixoto, que, de acordo com procuradores, abocanharia recursos públicos desde a gestão de Cabral.

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Com tantos casos de corrupção, o MPRJ lançou plataforma (Radar), em que é possível verificar o superfaturamento de contratos, investigados desde 2017, mas referentes a ocorridos a partir de 2005. Os dados são numéricos, sem especificar o caso em si, mas informam prejuízos em todas as esferas de governo. No estado, o superfaturamento de contratos soma R$ 3,35 bilhões.

— A primeira função da plataforma é mostrar o tamanho do problema para a população calcular o impacto desse dano — diz o promotor Rafael Lemos.

O governador afastado Wilson Witzel disse, através de nota, que combateu a corrupção e que reforçou os órgãos de controle e a transparência do Estado. Ele reiterou que “nunca compactuou com qualquer tipo de irregularidade” e que afastou todos os acusados de praticar atos ilícitos quando as suspeitas vieram à tona”. O advogado do ex-governador Sérgio Cabral, Márcio Dalambert, disse que seu cliente “é colaborador da Justiça, com acordo celebrado com a PF e homologado pelo STF”. Nessa condição, devolveu patrimônio e está colaborando na recuperação de ativos. A defesa do casal Rosinha e Anthony Garotinho afirmou que eles não são réus em processos de corrupção como governadores, mas vítimas de “perseguição política”. Alexandre Lopes, que defende Mário Peixoto, disse que as acusações contra seu cliente são “irreais”. Rodrigo Silveirinha não foi localizado.

PUBLICIDADE 1999 Escândalo do propinoduto Rodrigo Silveirinha Foto: Marcelo Carnaval em 21-2-2002 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE Quatro funcionários do governo de Anthony Garotinho, entre eles Rodrigo Silveirinha (foto), e quatro auditores da Receita Federal foram acusados de lavagem de dinheiro e remessa de mais de US$ 30 milhões (R$ 150 milhões) para a Suíça. Em 2003, a Justiça Federal condenou 22 réus do propinoduto. Mas recursos impetrados pelos acusados se arrastam na Justiça.

2005 Saúde em movimento Casal Anthony e Rosinha Garotinho Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo PUBLICIDADE O desvio no programa que era ligado à Secretaria estadual de Saúde teria sido de R$ 234,4 milhões. A ex-governadora Rosinha Garotinho foi condenada em 2019 pela fraude, assim como Anthony Garotinho, que era secretário de Governo na época. Segundo a denúncia, doadores da campanha de Garotinho à Presidência eram sócios de ONGs que prestaram serviço ao estado.

2007 Pelo social Benedita da Silva Foto: Brenno Carvalho em 1-5-2019 / Agência O Globo PUBLICIDADE O MP-RJ contabilizou em R$ 36,39 milhões o desvio durante a permanência de Benedita da Silva na Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, na gestão de Sérgio Cabral, entre 2007 e 2014. A Justiça chegou a bloquear seus bens. A assessoria de Benedita informou que “o processo ainda não foi julgado e segue em primeira instância. Por isso, não há como falar em recurso.”

2007 Arco Metropolitano Arco Metropolitano Foto: Pablo Jacob em 23-5-2018 / Agência O Globo PUBLICIDADE

A estrada, que corta municípios da Baixada e custou R$ 1,9 bilhão, virou uma via sem iluminação, insegura e com pouco movimento. Só na compra de seus postes, o sobrepreço foi de R$ 17 milhões, segundo apurou o Tribunal de Contas do Estado. O suposto envolvimento do ex-governador Luiz Fernando Pezão na fraude é investigado pela Polícia Civil.

PUBLICIDADE 2008 PAC favelas Teleférico do Complexo do Alemão Foto: Fabiano Rocha em 8-1-2015 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE

As obras do programa, realizadas nas favelas da Rocinha, de Manguinhos e do Alemão no governo Sérgio Cabral, sequer foram concluídas e tiveram um superfaturamento calculado em R$ 154,19 milhões pelo Ministério Público estadual. O teleférico da Rocinha não foi implantado, e o do Alemão (foto) está parado e sem manutenção. O projeto também é investigado pela Lava-Jato.

2010 Linha 4 Linha 4 do metrô Foto: Custódio Coimbra em 12-5-2015 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE

O custo da implantação do trecho do metrô de Ipanema à Barra saltou de R$ 880 milhões para mais de R$ 10 bilhões, após alteração de traçado. Mas a obra não foi concluída. A construção da estação da Gávea está parada desde 2015. Em agosto, o TCE informou que o superfaturamento foi de R$ 1,5 bilhão. O Ministério Público do estado diz, no entanto, que, com correção, o desvio chega a R$ 2,6 bilhões.

2010 Reforma do Maracanã Reforma do Maracanã Foto: Ivo Gonzalez em 5-9-2010 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE

As obras foram iniciadas em 2010 pelo governo de Sérgio Cabral para que fossem concluídas até a Copa de 2014. O Ministério Público do estado calcula que houve um superfaturamento de R$ 235 milhões, que, com atualização, chegaria a R$ 300 milhões. O projeto é investigado também pela Lava-Jato. Cabral foi preso em 2016 (foto) e condenado por fraude nesta licitação.

2017 Fatura Exposta Operação Fatura Exposta Foto: Gabriel de Paiva em 11-4-2017 / Agência O Globo PUBLICIDADE

Foi um desdobramento de operações dentro da Lava-Jato, que vinham desbaratando a organização criminosa chefiada por Sérgio Cabral. O desvio em contratos para a compra de próteses e órteses foi calculado em R$ 16,4 milhões. Três acusados foram presos, entre eles, o ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Cortes (foto), que está solto.

PUBLICIDADE 2017 Operação Ponto Final Jacob Barata Filho Foto: Fabiano Rocha em 3-7-2017 / Agência O Globo PUBLICIDADE

Dez foram presos acusados de participação num esquema de pagamento de R$ 260 milhões em troca de um desconto de 50% no IPVA dos ônibus. Entre eles, o empresário do setor Jacob Barata Filho (foto). Em outubro de 2017, o MP impetrou ação para apurar desvio de R$ 512 milhões no pagamento de subsídios relativos a gratuidades nos ônibus.

2018 Operação Furna da Onça Alerj durante votação para soltar cinco deputados que foram presos Foto: Domingos Peixoto em 22-10-2019 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE

Esquema de corrupção para votar a favor do governo na Alerj (foto), envolvendo deputados e os ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. Entre os 22 presos, estavam sete deputados. Cinco deles foram reeleitos e recuperaram seus mandatos. Pelos cálculos do MPF da segunda instância, os desvios somaram R$ 75,47 milhões.

2018 Operação Boca de Lobo Ex-governador Luiz Fernando Pezão Foto: Ana Branco em 19-2-2020 / Agência O GLOBO PUBLICIDADE

Outro desdobramento da Lava-Jato prendeu o então governador Luiz Fernando Pezão. Ele foi acusado por um delator de ter recebido uma mesada de R$ 150 mil durante a gestão de Cabral. Pezão foi solto em dezembro do ano passado, mas usa tornozeleira eletrônica. Ainda não houve julgamento, e ele aguarda ser chamado para apresentar sua defesa.

2020 Operações Favorito e Placebo Governador afastado Wilson Witzel Foto: Marcelo Chello / CJPress PUBLICIDADE

O esquema do empresário Mário Peixoto, preso em maio, teria desviado R$ 500 milhões em fraudes na Saúde, intensificadas na pandemia, segundo o MPF. O governador afastado Wilson Witzel (foto) e a mulher dele, Helena Witzel, são investigados. No MP estadual, a Mercadores do Caos focou em irregularidades nas compras de respiradores.

Entornointeligente.com

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