Troca da superintendência do Iphan em MG causa polêmica e gera indignação

A museóloga Célia Corsino, que era superintendente desde 2015, foi exonerada; nomeação de Jeyson Dias Cabral Silva, que era cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora, partiu de indicação do deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG).

Por Cíntia Paes e Flávia Cristini, G1 Minas e TV Globo — Belo Horizonte

Célia Corsino, ex-superintendente do Iphan em Minas Gerais — Foto: Acervo/TV Globo Célia 

A saída da superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) em Minas Gerais, Célia Corsino, causou polêmica no estado. A museóloga Célia Corsino, com mais de 30 anos de carreira na proteção de patrimônio, foi substituída por um cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora, na Zona da Mata.

A nomeação de Jeyson Dias Cabral Silva, de 41 anos, como superintendente do instituto no estado foi publicada nesta quinta-feira (26) no “Diário Oficial da União”. A indicação do nome ao ministro da Cidadania, Osmar Terra, partiu do deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG).

O Iphan em Minas reúne 50% de todo o patrimônio tombado do país e é uma das superintendências mais complexas dentro da estrutura nacional do instituto. Minas Gerais tem nove cidades totalmente tombadas pelo Iphan.

A nomeação de Silva causou revolta na comunidade de proteção do patrimônio em Minas Gerais. O ex-presidente do Iphan Ângelo Oswaldo, que já foi prefeito de Ouro Preto, se disse indignado com a substituição de Célia Corsino.

“É chocante saber que ela [Célia Corsino] foi drasticamente eliminada e substituída por um cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora, que não apresenta as qualificações exigidas até pela Constituição para exercer o cargo”, disse Ângelo Oswaldo.

Silva reconhece ter sido indicado ao cargo pelo deputado federal. Ao G1, o novo superintendente disse que é formado em história e geografia, com pós-graduação em geografia e gestão do território pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Afirmou, no entanto, que não tem experiência na área de patrimônio. Apesar disso, disse que preencheu todos os requisitos exigidos pelo Ministério da Cidadania para o cargo.

O novo superintendente disse que, embora entenda a preocupação, pretende conversar com os envolvidos no processo e continuar o trabalho antes executado por Célia Corsino.

A reportagem entrou em contato com o Iphan, em Brasília, com o Ministério da Cidadania e com o deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG) e aguarda retorno.

‘Desmanche’

“Os meios culturais de Minas Gerais e do Brasil recebem com perplexidade e indignação o desmanche do Ministério da Cidadania promove em uma das instituições mais respeitadas do país”, disse o ex-presidente do Iphan, o mineiro Ângelo Oswaldo.

Ângelo Oswaldo, ex-presidente do Iphan — Foto: Acervo/TV Globo

Ângelo Oswaldo é reconhecido nacionalmente como um dos maiores especialistas em patrimônio histórico e cultural do Brasil. Já foi prefeito de Ouro Preto e esteve também à frente da Associação de Cidades Históricas de Minas Gerais.

Ele disse que, desde sua criação, em 1937, a independência do Iphan é respeitada. Um artigo da Constituição Federal determina as obrigações do Estado, da sociedade e do cidadão em relação à política pública de proteção do patrimônio.

Oswaldo afirmou que nem no período da ditadura militar brasileira o instituto sofreu interferências como as que estão acontecendo atualmente.

“Nacional e internacionalmente, o Iphan é tido como uma instituição modelar. A Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] sempre o considerou um exemplo de organização nacional em defesa do patrimônio cultural”, disse.

Ângelo Oswaldo comparou o Iphan ao Itamaraty ao explicar que ambas as instituições constituem carreiras de Estado e que “não se trata de uma tarefa burocrática comum, mas de uma missão”.

Manifesto da Associação de Cidades Históricas

Altar-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, esculpido pelo mestre — Foto: Pedro Ângelo/G1

No dia 14 de agosto deste ano, a Associação de Cidades Históricas de Minas Gerais, que reúne 30 municípios mais antigos do estado, enviou um ofício ao ministro Osmar Terra manifestando o apoio à permanência de Célia Corsino como superintendente do Iphan em Minas Gerais.

O presidente da associação, José Fernando Aparecido de Oliveira (PV), prefeito de Conceição do Mato Dentro, se disse apreensivo com a mudança. Afirmou também que vai convocar uma reunião dos representantes de 30 municípios para debater o tema.

Célia Corsino

A museóloga Célia Corsino disse que foi acordada nesta quinta-feira (26) com uma ligação a informando sobre sua exoneração. Nem ela própria sabia que seria retirada do quadro do Iphan até a publicação do “Diário Oficial da União”.

Ao G1, ela disse que está preocupada não com sua saída, mas com a nomeação de uma pessoa sem experiência em patrimônio.

“A questão toda que se discute não é que não se possa tirar a superintendência. Mas que se coloque uma pessoa da área, com uma história na área”, afirmou a superintendente substituída.

Célia Corsino informou que a gestão do patrimônio em Minas é um desafio, já que 50% de todo os bens tombados no Brasil estão no estado. Além disso, diz, nunca antes havia sido indicada uma pessoa sem experiência para assumir o Iphan em Minas.

Célia trabalha com patrimônio histórico e cultural desde 1974. Natural do Rio de Janeiro, trabalhou décadas dentro do instituto e chegou a ser superintendente do Sudoeste brasileiro na década de 1980.

Em 2002, foi chamada por Ângela Gutierrez para fazer coordenação museológica do Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, onde ficou por nove anos. Em 2015, foi nomeada superintendente do Iphan em Minas, cargo que ocupou até esta quinta.

Santuário do Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, patrimônio cultural da humanidade reconhecido pela Unesco — Foto: Pedro Ângelo/G1.
Facebooktwitterredditpinterestlinkedinmail