O jumento é nosso irmão
* Levon Nascimento“O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sertão!” disse Luiz Gonzaga.
Nas tais jornadas de junho de 2013, aquelas que não aconteceram por apenas vinte centavos, mas pela entrega do país inteiro aos piratas, teve uma charge de Lúcio contendo duas cenas. Numa, os manifestantes vinham como leões furiosos, gritando contra o Congresso Nacional, sob o título 2013. Noutra, a mesma gente travestida de jumentos digitava na urna eletrônica, legendada por 2014.O tal gigante que acordou como leão em 2013 votaria em 2014 como jumento, previa o chargista e o senso comum.
Eu até que poderia concordar, pois na última eleição geral foi escolhida a mais podre composição de deputados federais e senadores da história brasileira.
Gângsteres propinados pela alta burguesia, em negociatas intermediadas pelo execrável Eduardo Cunha, chegaram a número recorde no parlamento, muitos deles com a Bíblia debaixo do braço, a retirar uma mulher honesta da presidência e a manter um ladrão flagrado no supremo comando da República.
Mas, não, eu não concordava com a charge. Por um motivo: o Jumento é nosso irmão! Assim mesmo, exclamativamente, e colocando maiúscula na inicial do nome do nobre parente.
Quem me alertou para essa fraternidade foi o amigo Lídio Barreto Filho, identidade nada secreta do super-herói Lídio Ita Blue. Sim, super-herói. Professor da rede pública poderia ser outra coisa senão um similar do Superman? Apresentou-me à Apologia ao Jumento, do rei do baião Luiz Gonzaga, a secundar obra do padre e político Antônio Batista Vieira, não o jesuíta português dos seiscentos, mas o intelectual cearense do vigésimo século cristão, fundador do Clube Mundial do Jumento.
Aqueles leoninos manifestantes de 2013, defecando na urna em 2014, bem que poderiam ser descritos como galinhas – mantendo a tradição de comparações zoológicas – animais de pouca memória e limitada inteligência. Jumentos, não! – definitivamente.
Ora, como poderiam ser jumentos, tão imbecis criaturas? Jumento é sujeito forte, inteligente e patriota. No sertão é ele quem ajuda o homem a construir a Nação. Carrega água, rasga estradas, leva cargas, assiste o penitente e acompanha os retirantes.
No passado, recebendo a alta condecoração da Cruz no Lombo, foi o Jumento que carregou Nosso Senhor e a Santa Família para o Egito, na fuga do infanticida Herodes. Anos mais tarde, também foi o Jumento a levar o Mestre pelas ruas de Jerusalém, ocasião em que o povo acolheu o Cristo com hosanas e ramos de oliveira – coisa de rei. Aliás, mesmo povo que uma semana após gritaria histérico “crucifica-o”. Outras galinhas, não jumentos.
Certa feita, estava eu e meu irmão Agnaldo em Vitória da Conquista para comprar um carro. Pois, adivinhem com quem nos deparamos? Com ele mesmo, o Jumento, sofisticadamente degustando um repasto de grama do jardim da concessionária, na Suíça baiana. Gente fina é outra coisa!
Aliás, o Jumento jamais poderia ser o culpado de tão má representação política que têm os brasileiros. Desenvolvimentista como ele, jamais elegeria criaturas tão obscurantistas para cuidarem dos destinos dessa terra abençoada. Apesar de viver no pasto, o Jumento não se dá com certos pastores, daqueles que preferem montar nas ovelhas e dizimá-las com o peso das ofertas, do que servi-las como fez aquele outro Pastor, o amigo do Jumento.
O Jumento é nosso irmão porque é um trabalhador, sem previdência, o primeiro a sentir os efeitos da antirreforma trabalhista. Não é responsável pela trapalhada dos homens de bem que urram, a tentar lhe imitar sem sucesso. Recebe “castigo, pancada, pau nas pernas, pau no lombo, pau no pescoço, pau na cara, nas orelhas”, assim como muitos eleitores por aí, mas a culpa, certamente, não é dele.
* Levon Nascimento é Professor de História, sociólogo, escritor e mestrando em Políticas Públicas.
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