Presidente do TCU e governo Lula articulam troca de dívidas de empreiteiras da Lava Jato por obras
Encampada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, a ideia de permitir que empreiteiras da Operação Lava Jato paguem multas de seus acordos de leniência com a execução de obras públicas tem como principal articulador o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.
Em um passado recente, o ministro fez uma cruzada para impor sanções mais duras do que as previstas nos acordos e foi tido pelas empresas como algoz. A ideia encontra precedentes em pactos de Ministérios Públicos estaduais, mas sua legalidade e efetividade no caso das empreiteiras dividem a opinião de especialistas ouvidos pelo Estadão.
O ministro tem trânsito político com petistas. Em dezembro de 2021, esteve no jantar em São Paulo no qual Lula apareceu pela primeira vez ao lado do ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente. Após as eleições, procurou interlocutores do governo, como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para tratar do tema das leniências.
Procurado pelo Estadão, Bruno Dantas não quis se manifestar sobre o assunto tratado nesta reportagem. Ele, Costa e integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) já se reuniram para discutir o assunto. A Casa Civil de Lula confirmou que o ministro foi um dos que sugeriram e incentivaram a ideia.
A questão principal é sobre como as obras poderiam cobrir débitos bilionários. Os acordos preveem ressarcimento aos cofres principalmente de estatais, além de destinações ao Ministério Público Federal e à própria CGU – conforme cláusulas destes termos homologados pela Justiça.
No segundo dia de governo, Costa disse, em entrevista à GloboNews, que a proposta é uma forma de acelerar obras “sem depender do Orçamento direto da União”. “São recursos que não estão lançados no Orçamento e poderiam vir para essas obras rapidamente por serem executadas pelas próprias empresas devedoras, fruto dos acordos de leniência”, afirmou o ministro da Casa Civil.
Acordos de leniência são feitos na esfera penal entre empresas, a União e o Ministério Público, para que, ao final, as pessoas jurídicas confessem fatos ilícitos e se comprometam a pagar multas em troca de condenações mais brandas. Após as negociações, o documento com os compromissos assumidos pela empresa e as sanções a ela impostas, como as multas, é submetido à Justiça para homologação.
Desde o governo Jair Bolsonaro, Dantas tem defendido a proposta de usar obras para o pagamento dos débitos. Em 2019, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, reuniu o TCU, a AGU e a CGU para lançar uma plataforma com propostas para destravar obras no País. O tema dos acordos de leniência ficou a cargo de Dantas, que é professor de doutorado da FGV e ensina, entre outros assuntos, o consensualismo na administração pública.
Após avaliar a proposta e seus precedentes, o ministro do TCU apresentou a ideia ao então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que se entusiasmou com a sugestão. O projeto, porém, não foi levado a cabo no governo Bolsonaro.
Entre as empresas que firmaram acordos de leniência com o MPF, a CGU e a AGU estão empreiteiras que integravam o “clube vip” da Lava Jato. Elas confessaram ter formado um cartel para fraudar contratos da Petrobras e outras estatais, além de pagar propina a agentes públicos e políticos. Somados, os acordos das cinco principais companhias somam R$ 8,1 bilhões. Até hoje, apenas pouco mais de R$ 1 bilhão foi quitado, de acordo com informações da CGU.
Fazem parte do grupo Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa. Boa parte das lenientes está passando ou passou pelo processo de recuperação judicial, e não tem mais a mesma saúde financeira. Como revelou o Estadão, o “clube” tem se articulado para rever os acordos de leniência em razão da dificuldade de liquidá-los.
Articulador da ideia, Dantas já foi um defensor de que empresas recebessem sanções mais duras do que aquelas definidas nos acordos de leniência em processos da Lava Jato julgados na esfera penal. Em entrevista ao Estadão, em 2017, chegou a dizer que os valores previstos nos acordos eram apenas um “aperitivo da refeição completa”.
Dantas entrou em um embate aberto com o então juiz federal Sérgio Moro em 2018 após uma decisão do magistrado que proibia órgãos de controle como o TCU de ter acesso às leniências para punir delatores. O ministro chamou o despacho de “carteirada”. A Justiça acabou liberando o acesso ao material, o que gerou rigorosas sanções impostas pelo TCU e pela Receita Federal.
No caso do TCU, a Corte aplicou multas e até mesmo declaração de inidoneidade – o que, na prática, impediria as empresas de voltarem a participar de licitações. Sob o argumento de que a decisão esvaziava os acordos de leniência, empreiteiras foram ao STF e conseguiram suspender, por exemplo, os efeitos de um acórdão do TCU – do qual Dantas era relator – em um caso relacionado a desvios e sobrepreços na construção da Usina de Angra III, pela Eletronuclear.
Além dos choques com Moro e empresas, o atual presidente do TCU também manteve relação conflituosa com procuradores da Lava Jato. Foi, por exemplo, relator do processo que puniu procuradores em razão de irregularidades em gastos com diárias da força-tarefa. Também é relator do processo que investiga Moro em razão de seu emprego na consultoria Alvarez & Marsal.
Procurados, as empreiteiras e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não quiseram se manifestar.
A legalidade e a viabilidade prática da proposta que prevê o uso de obras para pagar multas de acordos de leniência firmados por empreiteiras alvo da Operação Lava Jato não são consenso entre especialistas na área. Professor da Faculdade de Direito da USP e advogado atuante nesse tipo de acordo, Sebastião Tojal afirmou que o primeiro obstáculo legal está no fato de que obras públicas precisam passar por um processo de licitação.
“Quem disse que o valor pelo qual eu vou realizar a obra pública é a melhor forma de contratação para o Estado?”, questionou Tojal. “A coisa começa equivocada porque temos um empecilho para pensar que obra pode ser moeda de pagamento.”
Ele também vê com ceticismo a capacidade de as empresas se comprometerem com esse tipo de cláusula. “A dificuldade que as empresas têm para adimplir as obrigações pecuniárias será a mesma dificuldade para a contratação de garantias e para movimentar seu fluxo de caixa”, disse.
Por Estadão Conteúdo
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