Leonel de Moura Brizola – 100 Anos

POR EDUARDO DE AZEREDO COSTA

Leonel Brizola, após a derrubada da ditadura

[O texto abaixo, escrito pelo secretário de Saúde de Leonel Brizola no governo do Rio de Janeiro, portanto, alguém que o conheceu muito bem, rememora a trajetória do líder brasileiro que completaria 100 anos no dia de hoje. Eduardo Costa é uma notável personalidade da medicina brasileira – e, mais que isso, um grande brasileiro. Daí a nossa honra em publicar o seu texto, não fosse, por si só, o seu tema – a vida de Brizola. (C.L.)]

Vejo Brizola como um homem completo em cada passo de sua vida. E ele se revela por tudo que contam sobre ele. E, sobretudo, Brizola se revela pelo que diz e faz, como todas as pessoas. Porque ele é o comum que virou Herói da Pátria à qual serviu.

O acaso cria as situações que fazem distinguir fortes e fracos, inteligentes ou distraídos. Haveria entre os homens os escolhidos para as grandes missões? Ou eles se escolhem?

Brizola muito jovem escolheu seu nome! Pois foi assim. Chamado pela mãe Onívia ao nascer de Itagiba de Moura Brizola, não havia sido registrado até uma idade que permitiu que ele dissesse qual nome queria. Leonel, Leonel de Moura Brizola. Leonel era chefe de facções revolucionárias gaúchas pelo qual seu pai José tinha admiração. Mas ele nunca pôde ouvir isto de seu pai. Pois o perdeu, antes de um ano de idade, quando José voltava para casa com o cessar fogo da revolução de 23. Degolado, numa emboscada. Com aquela covardia rancorosa. Como a de quem mandou bombardear o Vietnã depois do acordo de paz alcançado.

Alfabetizado em casa por sua mãe, que tinha dificuldades para manter a família e dar-lhe instrução formal. Já molequinho, ela reorganiza a vida e se muda, e ele passa a ser criado por um pastor protestante e sua mulher. Por isso teve de tirar certidão de nascimento para poder ir para a escola. Aprendeu até a escovar os dentes sem esbanjar a pasta. Recém adolescente, com o primário completo, conseguiu que a prefeitura lhe desse uma passagem de ida para Porto Alegre. Queria continuar a estudar.

Engraxou sapato e foi ascensorista, mas conseguiu entrar para a Escola Técnica Parobé, que tinha internato. Passou no vestibular de Engenharia e decidiu que se engajaria na criação do PTB. Escolheu, pois, um partido que ainda não existia. E às ideias sociais deste partido, mais do que aderia, ajudaria a construir.

Num bonde em Porto Alegre, ele iria paquerar uma moça. E a conheceu no partido: Neusa Goulart, irmã de João Goulart, sua companheira de 1º de março de 1950 a 7 de abril de 1993. Era praticamente um ano mais velha do que ele: dia 21 de janeiro de 2022 celebramos 101 anos de seu nascimento.

Eleito deputado estadual, seria Secretário de Obras do Governador Ernesto da Fontoura.

Foi Prefeito e Governador do Rio Grande do Sul, sempre pelo voto popular. Como Governador consolida seu ideário: educação e desenvolvimento, binômio para uma pátria soberana, próspera e justa.

Em 1961, comandou a rede da Legalidade que assegurou a posse de João Goulart na Presidência da República, depois de ter oferecido a Jânio seu apoio contra as pressões que dizia estar recebendo. Mas este não via condições de retomar o cargo que renunciara.

É como Governador gaúcho que Brizola é catapultado a líder nacional e se torna o inimigo número 1 de conservadores e golpistas. E não foi por acaso.

Antes mesmo de Cuba o fazer, Brizola tinha encampado duas empresas internacionais gigantes por não atenderem aos termos dos próprios contratos que tinham assinado, levando o estado ao atraso em seu sistema de eletrificação e de telefonia: a Bond&Share e a ITT. Cortes internacionais julgaram que os processos foram absolutamente legais e legítimos.

Seu plano de educação criou mais de 6000 salas de aula ou escolinhas rurais, treinou e contratou mais de 20 mil professoras, tornando até hoje o Rio Grande do Sul o estado com a mais baixa taxa de analfabetos do país.

Apoiou a criação do MASTER, o movimento dos sem-terra gaúcho, e com sua mulher doaram uma fazenda para reforma agrária. Apoiaram os acampamentos indígenas de Nonoai e a ocupação de terras devolutas.

Em 1962, Brizola deixaria o cargo de Governador para disputar uma cadeira de Deputado Federal pelo Rio de Janeiro. Teve mais do que um terço de todos os votos do estado para o cargo.

Caçado depois do golpe de 1964, passou um mês percorrendo o interior do Rio Grande até o Paraná para ver as condições de resistência ao golpe. Conclui pelo exílio no Uruguai de onde tenta organizar a resistência. As atrocidades que começavam a acontecer no Brasil levaram a que movimentos mal preparados tenham sido deslanchados. E o Brasil dos golpistas exige mais do que vigilância sobre ele no Uruguai: – confinamento. E depois, sua expulsão, sem passaporte ou meios. Execução pela Operação Condor a curto prazo sem responsabilidade legal.

Pois, neste ponto ele renasce num único lance – pede asilo aos Estados Unidos de Carter. E se torna um dos políticos mais conhecidos e respeitados do mundo sem que tivesse sido um presidente da república.

A posse de Brizola como Governador do Rio de Janeiro foi evento mundial com a presença de líderes dos principais países do mundo. Como se viessem para dizer à ditadura que se esvaía: – Não se atrevam!

Na minha tão pequena presença na história e naquele evento-seminário internacional de posse, não posso esquecer, ao entrar no recinto da reunião e ser anunciado, ter recebido uma ovação, com Willy Brandt, Felipe Gonzalez, Mário Soares entre dezenas de outros à mesa. Era o dia seguinte ao que fui entrevistado pela Globo para saber quais eram nossos planos para a saúde do estado.

Muitos embates e muitas vitórias na entrega que fizemos para construir um Brasil melhor para nossos filhos e netos.

Leonel de Moura Brizola, de nome próprio, Governador de dois estados brasileiros, um deles por duas vezes. Presidente do Partido Democrático Trabalhista. Vice-Presidente da Internacional Socialista! Presente!

Naquela tardinha de 21 de junho de 2004, cheguei ao seu lado; ele já só sobre uma maca. Coloquei o dorso da mão no seu pescoço e a palma na testa, ainda com calor. Fiquei em silêncio por uns minutos e dali fui deixá-lo em seu túmulo em São Borja, ao lado de Getúlio Vargas, João Goulart e sua Neusinha, com o sentimento de orgulho de ter lutado com tantos mais sob sua liderança.

O Brasil soberano de cabeça erguida e povo respeitado não esquecerá seu nome. Nunca.

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