POLÍTICOS SAFADOS :: Por José Lima Santana

Por José Lima Santana

Conversa de pé de balcão. Um trago agora, outro mais tarde. A manhã ia-se findando, para ceder lugar à tarde. O relógio de cuco estava para anunciar meio-dia. Faltava um tiquinho. Um minuto? Na vagareza do ponteiro maior, talvez. Mas, na rapidez do ponteiro menorzinho, o dos segundos, um nada. Pronto. O cuco, preguiçosamente, saiu do seu ninho e abriu o bico doze vezes. Meio-dia. Tão certa era a hora marcada, que o jegue Miúdo relinchou, confirmando o meio-dia. Jegue pra lá de bom ao escancarar os beiços no bater da hora certeira. Um jegue-relógio daquele haveria de valer um dinheirão. Todavia, entretanto, e, contudo, “seu” Zezé barbeiro não o venderia por nada do mundo. Um jegue daquele era uma joia rara. Um diamante bruto. Precioso. Além de tudo, um enxertador de primeiríima.

Na bodega de Ednaldo, a conversa de pé de balcão continuava miudinha. Flávio de Tonho Zanôio e João Perneta de Chico Mão de Vaca tagarelavam sobre política. Cada qual tinha uma preferência. Flávio era partidário do prefeito. João era da banda de Cordulino Figueiredo, vulgo Bem Te Vi com Sono. As eleições eram as primeiras para governador do estado, desde que os militares deram o golpe de 1964. Ambos, porém, estavam desapontados. Não viam um sujeito de sangue no olho e cabelo nos buracos das ventas que merecesse o voto deles. Naquilo, eles estavam emparelhados.

Flávio de Tonho Zanôio pediu outra talagada de conhaque de alcatrão. Virou o copo. Cuspiu. O copo de cerveja de João Perneta de Chico Mão de Vaca ainda estava a meio, esquentando. Coisa mais horrorosa era cerveja quente. Quente só café, sopa e mulher, como dizia Zé Brinquinho de Sá Maria Rosa, fina doceira de mil e tantas guloseimas vendidas na feira semanal da cidade. Não havia segunda-feira que as guloseimas açucaradas não voassem até o meio da manhã.

“Flávio, o que tem de político safado neste país, num tá no gibi. E o que vem por aí de cabra ainda mais safado, até o diabo duvida”, disse João Perneta. “Tu acha mesmo que tem cabra ainda pior do que essa laia que já tá aí amoitada, nesses anos todos que os milicos mandam e desmandam, ou desde muito antes?”, respondeu Flávio, indagando. “Tem demais. Neguinho ficou aí pelos cantos, tudo murcho, aguardando a hora de melar os dedos no pote de mel. Tu há de ver a carnificina. Vai ter dinheiro no bolso da negrada, que vai ser de fazer inveja a bicheiro”.

O dono da bodega entrou na conversa: “Quando eu morei em São Paulo, um amigo meu lá do interiorzão dizia que o pai dele votava num político que abria o bico para dizer que roubava, mas fazia. Então, um compadre do pai dele perguntou se ele não tinha vergonha de votar num ladrão confesso, ao passo que ele respondeu que era melhor votar num rato velho, que todos sabiam o quanto roubava, do que votar num rato novo, que ninguém sabia quanto iria roubar”.

Flávio de Tonho Zanôio e João Perneta caíram na gargalhada. “Esse povo lá do sul tem cada uma!”, disse Flávio. E emendou: “Ora, tanto faz um rato velho como um rato novo: todos são gabirús. Roubar mais ou roubar menos, pouco importa. Ladrão é ladrão. De casaca ou de camisa de cotim, tanto faz. O lugar deles é atrás das grades. O que tu acha, João?”. E João: “Eu acho melhor é a gente tomar mais uma. Abra outra cerveja e bote outro conhaque pro Flávio”. O bodegueiro atendeu.

Naquele instante, entrou na bodega Alaíde de Afonso Pimentel, mãe do vereador Vaguinho Pimentel. “Boa tarde a todos”, disse a mulher. “Boa tarde”, responderam os três homens. “Um quilo de açúcar e uma libra de café em grãos”, ela pediu. Enquanto o bodegueiro pesava o açúcar, João Perneta, aparentado de Alaíde pelo lado materno, perguntou: “Prima Alaíde, tu que é mãe de político, o que tá achando dessa eleição pra governador?”. Ela fez um bico, botou as mãos nos quartos e disparou: “Eu sou mãe de político por um descuido da natureza. Já disse a Vaguinho pra ele sair desse negócio. Política num é meio bom, pra gente decente. É cada um engolindo o outro. É todo mundo querendo se dar bem. Eu mesma num vou votar em fio da gota nenhum. Vou ficar atrepada no muro, olhando pros lados. Num lado tem prego; noutro, tem caco de vidro. Em cima do muro, eu não faço mal a ninguém. Nem ninguém, me faz mal nenhum”.

Ednaldo acabara de pesar também o café em grãos. Eram grãos bonitos, bem limpos e cheirosos. Ah, um café pisado no pilão, café de coador, tinha lá o seu lugar! Um bule fumegando pelo bico, uns bolachões de coco na mesa, um caco de manteiga da marca turmalina de Minas Gerais, era tudo que um pai d’égua merecia de manhã bem cedo ou na boquinha da noite para entreter o bucho e alimentar as lombrigas, como era voz corrente por ali.

Alaíde despediu-se e ganhou a rua de chão batido. O vento soprava e agitava os galhos dos eucaliptos da pracinha onde as mulheres, no quebrar da tarde, teciam rendas na almofada de bilros. E onde os meninos brincavam de bola de gude ou pião. O vento entrou portas adentro, na bodega, quase arrancando da cabeça de Flávio o chapéu preto novo de baeta. Ele o segurou com a mão esquerda. “Esse vento tá parecendo político quando entra na casa da gente em tempo de eleição. Entra animado igual a pinto no lixo, pra num dizer outra coisa. Depois, vai-se embora, pra voltar quatro anos pra frente. Por onde andará o vento, quando passa e vai embora? Ninguém sabe. Assim também é com os políticos. Ao bem da verdade, toda regra tem exceção. Eu sei. Mas, no geral, é uma cambada da moléstia. Os poucos que se salvam, a gente conta nos dedos”, afirmou Flávio.

João Perneta sorveu mais um gole de cerveja, quase quente. O dono da bodega atendia outra freguesa. Mais uma lufada de vento entrou sem pedir licença. Ainda mais forte. O inverno estava indo embora. O vento soprava para enxugar a terra. Quem enxugaria a água suja da política? Quem haveria de prender os ladrões, todos eles, de todos os lados? Só quem poderia fazer isso eram Flávio de Tonho Zanôio, João Perneta de Chico Mão de Vaca, Alaíde, Ednaldo bodegueiro, “seu” Zezé barbeiro e quem mais não tolerasse os ratos velhos ou novos da política.

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