As cidades deixaram de ser das pessoas para serem dos automóveis

Por William Cruz

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                                                 Avenida 23 de Maio – São Paulo

Árvores foram derrubadas, rios foram sepultados e as praças e os caminhos foram cobertos por asfalto, o chão escuro e estéril que sinaliza o território reservado para as máquinas e proibido para as pessoas. As que se fecharam dentro do metal e dos vidros escuros começaram a ver as demais – em outras latas vedadas ou mesmo a pé atravessando a rua – como simples obstáculos em seu caminho, atrapalhando seu trajeto.
Não são mais as pessoas que foram um dia. As que estão dentro das bolhas querem chegar depressa a todo custo, maldizendo os obstáculos vivos que lhe cruzarem o caminho. As que circulam livres, têm que cruzar o território estéril sem que as primeiras as vejam, já que aumentam sua velocidade para assustá-las, rugem motores, mugem buzinas, gritam com a borracha no chão áspero: “saia da frente! o território preto não é para você!”

As crianças não podem mais brincar nas ruas, não sabem mais o que é ir de bicicleta até a casa dos amigos, não sabem pular corda e não saem para tomar um sorvete sozinhas. Os novos donos da cidade, vestidos de metal, vidro e fumando combustível, não as permitem.

Esses mesmos novos donos da cidade também têm sua prole, mas poucos percebem a liberdade que foi tomada de seus filhos para que eles próprios tenham seu luxo e conforto. Isolam suas crianças em espaços delimitados, sendo levadas de um espaço a outro dentro dos monstros de metal que vivem no território preto. Fora deles, a criança não pode cruzar essas terras.

As cidades foram feitas para as pessoas. Os carros vieram depois e deformaram os espaços urbanos. Olhe da janela agora e veja quanto espaço das ruas é reservado para a circulação das pessoas e quanto dele está disponível para os automóveis. Se a cidade é feita para a circulação motorizada, a tendência das pessoas será inevitavelmente essa – e o resultado é o que conhecemos como hora do rush (das 7 da manhã às 10 da noite).m vez de perceber no que nossa cidade se tornou e contribuir para torná-la um lugar melhor para nós e nossos filhos, usando alternativas ao automóvel sempre que possível, a maioria das pessoas pensa apenas em comprar um carro mais confortável e se isolar dos problemas. Ligar o ar condicionado, fechar os vidros, aumentar o som e ignorar o que está do lado de fora, fazendo de conta que não está lá. Em outras palavras, fugir. Grande solução.

pedalando-em-rua-tranquila-200x150                                                             Sua cidade depende de você

Se você cansou de sua cidade, faça o possível para torná-la melhor. Um momento em que seu carro te deixa na mão, por exemplo, pode ser uma oportunidade para ver a cidade de outro ângulo, em vez da viciada experiência de se trancar em um ambiente climatizado e se isolar do mundo e das pessoas até chegar a outro local de confinamento.

Por sinal, foi exatamente o que aconteceu comigo: em um dia que o carro quebrou, resolvi usar a bicicleta para ir ao trabalho e vi que não era tão complicado quanto parecia. Foi aí que tudo começou a mudar. A cidade mudou para mim, e eu mudei para a cidade e para os que estão à minha volta.

Não podemos viver confinados em bolhas de metal. As ruas são suas também. Saia a pé, sinta o sol, olhe para o céu. Há quanto tempo você não repara nos formatos das nuvens, no som dos pássaros e nas plantas que insistem em nascer em qualquer buraquinho da calçada, resistindo à petrificação da cidade?

 

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