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Pela 1ª vez, a maioria dos ingressantes na USP é de escola pública

É a primeira vez que isso ocorre desde que a instituição passou a registrar o perfil dos ingressantes, em 1995.
Por Estadão Conteúdo

Em uma mudança histórica, a maioria dos novos alunos matriculados na Universidade de São Paulo (USP) vem de escolas públicas. Depois de anos de discussões e polêmicas sobre reserva de vagas na instituição de ensino mais conceituada do País, foi cumprida este ano a meta ambiciosa estabelecida em 2017 de ter metade de novos alunos com esse perfil.

É a primeira vez que isso ocorre desde que a instituição passou a registrar o perfil dos ingressantes, em 1995.

Das 10.992 vagas preenchidas, 51,7% foram ocupadas pelos alunos que estudaram na rede pública. Há mais de dez anos, o índice geral ficava em cerca de 25%, sendo bem menor nos cursos mais concorridos. Apesar disso, chegar aos mais pobres ainda é um desafio: a renda média da maioria dos ingressantes continua acima de 5 salários mínimos e menos de um terço do total dos estudantes é preto, pardo e indígena.

O especialista em políticas de acesso e permanência da Universidade Federal do ABC (UFABC), Wilson Mesquita de Almeida, avalia positivamente o avanço dos últimos 15 anos para a inclusão de pessoas de baixa renda no ensino superior, mas aponta a necessidade de maior atenção com o corte de renda familiar. Para ele, há um reforço do perfil de classe média, que historicamente entra na universidade pública.

Para ampliar o alcance, segundo ele, ainda é necessário combinar políticas estruturais, como maior investimento na escola pública no professor, e democratizar o acesso à informação aos estudantes. Na pandemia, lembra, a desigualdade de aprendizado deve ser ainda maior. Entre todos os ingressantes, 25% têm renda familiar acima de 10 salários. Na outra ponta, quase um terço (29,7%) dos discentes dispõe de até três.

Mesmo assim, o pró-reitor de Graduação da USP, Edmund Chada Baracat, diz que a implementação da reserva de vagas na USP tem mudado o perfil dos estudantes na instituição, tornando-a mais diversa social, cultural e economicamente. “Esse processo, no entanto, deve ser contínuo e constantemente avaliado. Nas universidades federais, pelo fato de a reserva já ter sido implementada há quase dez anos, o processo está mais adiantado.”

“É muito louvável que a USP tenha chegado a mais de 50% de alunos aprovados serem oriundos da rede pública do Brasil. No entanto, nossa comunidade ficará mais feliz quando esses 50% tiverem dentro da renda de no máximo 1,5 salário mínimo”, diz Frei David Santos, diretor executivo da Educafro Brasil, que luta há décadas por mais inclusão na USP.

Sonho
Aos 18 anos e ex-estudante de escola pública, Natália Malerba chega à USP para cursar Engenharia Química. A felicidade da jovem é ainda maior porque deve permanecer em Lorena, onde mora e há um câmpus da instituição. Ao contrário dos colegas da turma que vêm em grande quantidade de outras partes do País, não precisará de ajuda para moradia. Segundo a USP, em 2021, foram destinados R$ 250 milhões, 6,7% a mais do que no ano passado, para auxílio estudantil.

A renda familiar de Natália, como a de 13% dos novos estudantes, está entre 2 e 3 salários mínimos. “Durante todo o ensino médio, a maioria dos alunos sonha com a universidade pública. Porém sabemos o quanto é difícil passar porque são poucas vagas. Especialmente em tempos de pandemia, parece que a gente não vai ter futuro e que está muito longe de conseguir”, diz a jovem. “Infelizmente, muita gente abre mão de fazer uma faculdade porque não consegue conciliar faculdade e a necessidade de trabalhar.”

“Nossa realidade não favorece o cultivo de sonhos. A gente não pode esperar que uma pessoa demore a entender que pode entrar no curso de Medicina”, diz Adriana dos Santos, aprovada para Bauru.

Ela tem 37 anos, mora em São Paulo e não pode receber auxílio estudantil por já ter graduação em Psicologia. A universitária vive com a mãe aposentada. A renda da família é de 1 salário mínimo. Por isso, há indefinição sobre como se manterá em outra cidade quando as aulas presenciais retomarem. “O fato de eu ter uma graduação não garante que eu tenha condições. É necessário maior flexibilidade ou ampliação do programa.”

Casado e pai de três filhos, Cassius Jansen, de 43 anos, é calouro no curso de Direito na USP. A única renda da família vem do salário de R$ 1,2 mil da esposa. Há dois anos, o universitário saiu do emprego, decidiu dedicar-se exclusivamente aos estudos para alcançar a vaga e conseguiu bolsa de estudos no curso pré-vestibular. Sobrevive de bicos e da ajuda da mãe.

Para se manter na universidade, ele buscou auxílio nos programas de permanência para moradia, transporte e livros. “Às vezes, muita gente não entende o que é estudar no Brasil. Uma pessoa que estuda precisa de tempo. Isso não é possível se você não tiver algum apoio.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.