Ruy Medeiros: Horror & Horror

Ruy Medeiros | ruy-medeiros@uol.com.br

De tanto martelar mensagens conseguiram fazer da reforma da Previdência uma medida unânime. Unanimidade sobre o desconhecido. Unanimidade sobre o pior. Foram convocados bem pensantes, comunicadores assoldados, jornalistas com ânsia de agradar o governo fardado. Formou-se a santa aliança contra a Previdência Social para salvá-la daqueles que são o seu motivo de ser. Não se enuncia sequer o qualificativo social, pois isso pode direcionar o pensamento para outro modelo de análise, ou provocar alguma comiseração. >>>>>

Depois de tornar a reforma uma unanimidade (falsa unanimidade), outra farsa se ergueu: somente aqueles que são contra o Brasil estão contra a reforma da Previdência Social. Agora é esse discurso patriopança que vale. Ser contra o próprio país, que crime! Não falta muito para os farsantes dizerem que aquele que é contra a reforma é um inimigo interno e que deve ser processado na forma da Lei de Segurança Nacional (lei da época da ditadura militar que alguns membros do Ministério Público consideram que foi recepcionada pela Constituição de 1988!). Lei de Segurança contra esses agitadores anti-reforma, brada a horda governante.

E a farsa segue seu curso.
A reforma será deliberada por um Congresso Nacional cujos integrantes, em sua maioria, não precisam de Previdência Social, têm como safar-se bem. Quando da luta contra a ditadura militar, muito se falou em aposentadoria que considerasse que os mais idosos estavam mais sujeitos a enfermidades, precisavam alimentar-se bem e ter conforto, casa asseada, adquirir medicamentos, etc. Falava-se então de Welfare State – Estado de bem estar social.

Agora se diz que para salvar a Previdência Social é necessário que se aniquilem os pensionistas, aumente seu tempo de contribuição e diminua o valor da pensão. Cinicamente os senhores escravocratas falam em acabar com os privilégios. Privilégios de quem? Há muitos que foram lesados pela forma inconstitucional (validada pelo STF) de reajuste de pensão e benefício que não preserva o seu poder de compra. Há inúmeras ações contra o INSS junto à Justiça Federal, muitas das quais julgadas a favor dos contribuintes, com justiça, provocadas por erros da seguridade que aumentaram suas despesas.

Há privilégio de quem, tendo trabalhado mais e contribuído mais, recebe pensão correspondente a seu esforço e valor recolhido à Previdência Social? A farsa dirige-se igualmente contra servidores públicos. Esses são uns privilegiados da previdência, afirmam e açulam as feras contra funcionários do Estado. Lembram-se da caça aos marajás (servidores) prometida por Fernando Collor? Pois é, a desfaçatez é coisa repetida. Aquele que estudou durante uma vida, submeteu-se a concurso, obteve direitos legalmente, contribuiu sem falta (recebe remuneração com o desconto previdenciário), agora é vilão e dentes caninos o ameaçam: “são eles, servidores há sem dúvida, os privilegiados, responsáveis pela quebra da Previdência.” Isso não é coisa honesta. Argumentam que os servidores mais bem remunerados, por que teriam aposentadoria maior, recebem transferência de trabalhadores sujeitos a um teto de pensão menor. Mas há teto e possibilidade de contribuição suplementar para servidores e o Estado é obrigado a dar sua contrapartida. Também as empresas contribuem com a sua quota.

Não é que os trabalhadores transfiram: esses recebem menos daquilo que deveriam receber. O argumento não leva em conta as transferências do Estado, os que saem e não retornam da Previdência, inclusive definitivos emigrantes, os que, aposentados, porque trabalham contribuem, as contribuições das empresas. Argumentar que há transferência serve para justificar o argumento de que, como está deficitária (por culpa do Estado) e a população brasileira é preponderantemente velha, o valor de proventos de aposentadoria deve ser fixado, no máximo, entre 2 e 3 salários mínimos. Isso pode ser ótimo para quem não precisa da Previdência Social, dentre os quais os que não pagam Imposto de Renda sobre ricos dividendos que recebem.

Terror e mal estar são espalhados por todos os cantos e muitos já sofrem com a perspectiva da falência da Previdência e do não recebimento de suas pensões. Os do governo atemorizam os pobres a fim de que estes aceitem uma migalha pois é melhor uma côdea de que nada: “conhecerás a verdade e ela te libertará.”

Quebra da Previdência é outra peça farsesca. O Estado é um só. A distribuição de seus recursos pode ser feita de forma diferente a fim de, gradativamente, estancar o déficit. Mas aí entra a necessária justiça fiscal. Mas falar de justiça para qualquer Chicago Boy, que sempre esteve na assessoria do capital parasitário, é tolice. O interesse fala mais alto: nada de cobrar Imposto de Renda sobre riquíssimos dividendos, nada de Imposto sobre Grandes Fortunas. O Estado, de acordo com Bolsonaro e cia deve ser mínimo. Mínimo para quem? Como fica o “serviço da dívida” que consome meio orçamento brasileiro? No Brasil e no mundo, para destruir, separa-se a Previdência Social do Conjunto estatal. O fato de, na Lei Orçamentária, haver um orçamento próprio de seguridade, não impede a criação de um fundo de estabilização.

Em cada município brasileiro, por menor que seja, nos dias de pagamento de benefícios da Seguridade Social, apesar da crise, vejo pessoas fazendo compras e o comércio movimentar-se. Seguridade vai além do horror-terror da propaganda oficial e quejandos. Tem importância econômica, é preciso repetir o óbvio. Alguns, diante do terror espalhado, sentem o mesmo que sente um personagem de Nâzim Hikmet, ao atingir 51/52 anos:

Aos 51, ele disse: “Fiquei velho. Vivi um ano a mais do que meu pai”.
Agora ele está com 52.
Desempregado.
Agora, parado na escadaria,
Perdido.
Nos pensamentos mais estranhos.
“Com quantos anos vou morrer?”
Será que ao morrer terei um cobertor sobre mim?”
(Hikmet – Paisagens humanas de meu país).
Quem salvará a Previdência Social de “seus salvadores?”

Facebooktwitterredditpinterestlinkedinmail