Casos de sífilis em recém-nascidos triplicam no país
Uma doença tão silenciosa quanto perigosa se espalha pelo país, preocupando médicos e autoridades que tentam superar a escassez do antibiótico mais usado no seu tratamento. Um relatório interno assinado pelo diretor do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, detalha a escalada dos casos de sífilis em gestantes e em recém-nascidos desde 2008, prevendo um recrudescimento do problema em 2016.
No documento, Mesquita recomenda a “aquisição urgente” de penicilina cristalina. Usado para tratar bebês que foram infectados no útero materno, o medicamento está em falta no Brasil. Considerada uma doença silenciosa por não apresentar sintomas graves em seus estágios iniciais, a sífilis pode levar a problemas cardíacos, meningite e até à loucura.
Se contraída por mulheres grávidas, a bactéria Treponema pallidum, responsável pela sífilis, pode causar nos bebês malformações (como a microcefalia), cegueira e deficiência mental. Os casos mais graves levam à morte. Daí a importância de exames pré-natais para detectar a doença em sua fase primária, impedindo o contágio da mãe para o filho. O tempo de exposição à bactéria é determinante.
Datada do último dia 1º de fevereiro, a nota do Ministério da Saúde reúne estatísticas para expor o avanço da sífilis em gestantes e da doença em recém-nascidos, chamada de sífilis congênita. Em 2008, o número de grávidas infectadas não chegou a 10 mil. Já em 2013, houve 21.382 ocorrências (7,4 casos para cada mil nascidos vivos).
No ano seguinte, informa o documento, “dados preliminares” dão conta de 28.226 diagnósticos, ou aproximadamente 9,7 para cada mil nascidos vivos. “Vale ressaltar que, apesar dos esforços (…), observa-se subnotificação perto de 50% dos casos estimados”, alerta o texto.
O avanço da doença em recém-nascidos também assusta. Em 2008, foram pouco mais de cinco mil registros em bebês com menos de 1 ano de idade. Em 2013, foram 13.704 mil casos (4,7 para cada mil nascidos vivos), e, no ano seguinte, houve 16.266 ocorrências (5,6 para cada mil nascidos vivos). É um crescimento de mais de mais de três vezes em seis anos. Segundo a nota informativa, a previsão é de mais de 22 mil novos casos de sífilis congênita em 2016. Estas são informações do site O Globo.
Sexo sem camisinha é uma das causas
O Estado do Rio, onde foram contabilizados 3.017 casos de sífilis congênita em 2014 (em 2010, foram 1.465 ocorrências), tem o maior número de registros no país. São Paulo aparece em segundo lugar, com 2.810 casos. Segundo gestores de saúde pública, o avanço da doença se deve, em grande parte, ao sexo sem camisinha. Especialistas concordam, mas afirmam que falhas na rede de atendimento e falta de medicamento também explicam o salto no número de bebês nascidos com sífilis.
— Um dos grandes obstáculos é conscientizar sobre o sexo seguro. Em sua maioria, mulheres grávidas não usam camisinha porque estão em relações estáveis. É normal a gente tratar uma gestante com sífilis e, meses depois, ela voltar com uma nova infecção, porque continuou dispensando o preservativo.
É importante incluir o parceiro nas políticas de combate — explica o subsecretário de Vigilância em Saúde, Alexandre Chieppe. — A sífilis se tornou uma prioridade do governo. Ano passado, criamos um pacto com os municípios para ampliar exames e tratamento. O aumento das taxas também está ligado à maior capacidade de notificar os casos.
Para a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia no Rio, Tânia Vergara, o avanço nos casos de sífilis congênita se deve justamente à falta de diagnóstico e tratamento.
— A presença da doença em recém-nascidos está ligada à falta de diagnóstico e à ausência de exame pré-natal. Sem o pré-natal, a mulher só aparece no hospital na hora do parto. Sífilis congênita é pré-natal malfeito. Porque se a mãe for tratada, o bebê não será contaminado.
De acordo com a infectologista, a capacidade de reagir ao avanço da sífilis está limitada devido à falta do principal medicamento. A penicilina benzatina é o tratamento de escolha para a sífilis em seus estágios iniciais, quando os sintomas mais comuns são cancros, que podem passar despercebidos, e manchas rosadas espalhadas pelo corpo.
Já a penicilina cristalina é o remédio recomendado para combater a sífilis congênita e a doença em fases avançadas. Segundo a nota informativa do Departamento de DST, 60% dos estados relatam desabastecimento de penicilina benzatina, enquanto todas as unidades federativas estão com estoque baixo de penicilina cristalina.
De acordo com um comunicado do Ministério da Saúde, “o problema do desabastecimento de todos os tipos de penicilina e seus derivados é global e deve-se à falta da matéria-prima, que é produzida apenas na China e na Índia”. Essa escassez vem sendo detectada em diferentes países, principalmente desde o início do ano passado.
O ministério também informa que fechou, neste mês, a compra de 2,7 milhões de frascos de penicilina benzatina “para abastecer emergencialmente os estados brasileiros”, a um custo de R$ 2,6 milhões. “Os primeiros lotes chegam ao Brasil em março”, diz o comunicado.
Segundo Alexandre Chieppe, o governo estadual já tentou realizar licitações para comprar grandes volumes de penicilina, mas fracassou devido à ausência de fabricantes interessados. Com isso, diz ele, os hospitais vêm fazendo compras de pequenas quantidades.
No documento do Departamento de DST do Ministério da Saúde, há uma lista de empresas que pararam de fabricar a penicilina e seus derivados. Em novembro do ano passado, diz a nota, a pasta tentou comprar 700 mil frascos-ampolas de penicilina benzatina, mas não obteve êxito por “incapacidade de produção da indústria farmacêutica”.
Devido ao abastecimento precário do medicamento considerado ideal, os médicos da rede pública vêm sendo orientados a priorizar as gestantes com sífilis e os bebês nascidos com a doença. Os demais pacientes, muitas vezes, recebem medicamentos alternativos, como a doxiclina, com eficácia mais baixa.
— O governo tem que encontrar formas de tornar a fabricação do medicamento mais interessante para as empresas. Estamos alertando sobre o crescimento dessa epidemia desde 2014 — critica Tânia Vergara.
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