Sapato voador, gravidez e bullying: a rotina de uma mediadora nas escolas

Leonor
Leonor Lopes, professora-mediadora de conflitos de uma escola pública de São Paulo.

Leonor Lopes, professora-mediadora de conflitos de uma escola pública de São Paulo Leonor Lopes se posiciona mais uma manhã no limiar do portão de entrada da escola estadual João Solimeo, no Jardim Maristela, região da Vila Brasilândia, periferia pobre da zona norte de São Paulo. São 6h45. Emoldurada pelos muros pintados de preto recobertos de grafites multicoloridos, ela recebe e saúda os alunos.

“Olá!”, “Bom-dia!”, “Bem-vindos!”, “Como está, Cairis?”, “Tudo bem, Rayssa?”, “Bom-dia, professora Luciana!”, “Boa aula a todos!”.

A saudação de boas-vindas é acompanhada de sorriso de dentes brancos e de gesticulação com as mãos firmes e compridas dessa mulher de compleição forte, de cabelo comprido e grisalho preso atrás num coque, óculos de grau de aro metálico retangular na face e hoje com 64 anos.

Os últimos seis anos ali como professora-mediadora de conflitos, função criada pelo governo do Estado de São Paulo no começo de 2010 como parte do Sistema de Proteção Escolar e instrumento contra a escalada da violência no interior das escolas públicas, tantas vezes entre alunos e outras tantas entre professores e alunos e às vezes também envolvendo os pais.

Assumiu a tarefa na escola praticamente por aclamação, por ser considerada, por colegas e alunos, a “Nossa Senhora das Causas Perdidas da Sala de de Aula”, como professora de língua portuguesa e inglesa, que lecionava. Depois da formação em mediação escolar e comunitária (80 horas de aulas em ambiente virtual de aprendizagem), começou, passando a se dedicar exclusivamente a isso.

Ouvir e dialogar

“Meu trabalho é promover o diálogo e a escuta, um mediador nunca pode perder essa capacidade de ouvir e dialogar. O tempo todo eu fico ouvindo os alunos. E não posso interferir diretamente no conflito, nem aconselhar [os envolvidos]. Não posso ser o juiz da questão. Meu trabalho é amenizar, fazer com que reflitam sobre o que ocorreu e com o tempo mudem”, explica Leonor.

A propósito, a visão dela mesma sobre o conflito é particular: generosa e compreensiva, retira-o do campo negativo em que muitas vezes é segregado e ressalta sua função até pedagógica no desenvolvimento humano. “Não existe sociedade nem escola sem conflitos. Os conflitos acontecem o tempo inteiro, tudo acontece aqui, na escola. E são bons, porque fazem a gente cair e se levantar.”

Leonor está sentada em uma das poltronas de couro escuro dispostas em círculo ao fundo da sua sala. O local é amplo e iluminado. Junto da porta de entrada, fixada à esquerda de quem entra, há uma lousa branca com os vestígios da da atividade mais recente com os alunos, com a seguinte questão: “Estudar vale a pena?”. As respostas mostram que o estudo vale muito para esses jovens, principalmente para garantir um futuro melhor.

À direita de quem entra está a mesa de Leonor, de fórmica clara, sobre a qual estão estojos de material escolar e os cadernos para registro das ocorrências da mediação. Como esta aqui, anotada em letra cursiva: “Sapato voador — 6E — I. [nome do aluno] — intervalo — O menino tirou o sapato pq. estava incomodando e o colega o jogou longe — acertando a mediadora — conversei com o aluno”.

“Eu anoto tudo. Esse caderninho vai me levar um dia para o céu ou para o inferno”, diverte-se, com um deles entre os dedos.

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O registro das ocorrências de cada dia é feito a mão, no caderno

UOL

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