Os últimos dias de uma cidade de 10 mil anos que será inundada na Turquia

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Samuel Aranda/The New York Times

O rio Tigre serpenteia entre as ruínas e minaretes de Hasankeyf, a cidade turca pela qual passaram romanos, bizantinos e tribos túrquicas. Mas esta cidadela de ao menos 10.000 anos de antiguidade será engolida pelas águas.

Quando terminarem as obras da gigantesca usina hidroelétrica de Ilisu, o rio sairá de seu curso, apagando Hasankeyf e suas pontes de pedra da paisagem.

O governo lançou um projeto que fornecerá a energia e a irrigação necessárias para o desenvolvimento do sudeste da Turquia, uma zona ocupada sobretudo por curdos, que durante muito tempo foi deixada de lado pelo governo central.

Os monumentos históricos ficarão a salvo em um lugar seguro, após uma mudança faraônica que lembra as que foram realizadas nos anos 1960 no Alto Egito por Gamal Abdel Nasser durante a construção da represa de Assuã no Nilo.

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Samuel Aranda/The New York Times

Mas para muitos moradores de Hasankeyf, é uma calamidade.

“Vamos tentar lutar o quanto pudermos para impedir a devastação da beleza e da história desta cidade”, de 6.000 habitantes, afirma Mehmet Emin Aydin, um comerciante local.

Como as obras estão quase concluídas, “não há possibilidade de voltar atrás”, lamenta Arif Ayhan, da associação do comércio e do turismo em Hasankeyf. “Em vez de ignorar os habitantes, tinham que ter escutado eles. As pessoas daqui têm a impressão de que o Estado as deixou de lado”.

‘Perigo’

O processo de contenção da água, que dará lugar a um lago artificial que em alguns meses engolirá Hasankeyf, começará em 31 de dezembro. Por isso a mudança dos monumentos já começou.

Em uma operação espetacular, as autoridades deslocaram, em maio, o mausoléu de Zeynel Bey, construído no século XV em homenagem a uma das personalidades da tribo Ak Koyunlu, que na época controlava a Anatólia Oriental.

O comboio precisou de cinco horas para percorrer os dois quilômetros que separam Hasankeyf da nova localização da construção medieval, uma tumba cilíndrica coberta por uma cúpula.

As autoridades esperam que este “parque arqueológico” situado à beira do futuro lago artificial se transforme em uma atração turística. Mas alguns criticam que se dê continuidade ao projeto sem se preocupar em salvaguardar a herança histórica.

A federação europeia do patrimônio cultural Europa Nostra denuncia que o projeto foi feito “sem consultar suficientemente as comunidades locais nem os especialistas” e que, nestas condições, os outros monumentos. correm “um grande perigo”.

“A inundação esperada de Hasankeyf destruirá os vestígios de um dos assentamentos humanos mais antigos já descobertos”, acrescenta a ONG.

‘Grande benefício’

A publicação nas redes sociais, em agosto, de vídeos em que os habitantes e ativistas mostravam o que era, segundo eles, engenheiros dinamitando a escarpa de Hasankeyf geraram polêmica. Como protesto, o deputado opositor Mehmet Ali Aslan se acorrentou a uma pedra do penhasco.

Apesar destes vídeos, o governador da província de Batman negou o uso de explosivos.

A primeira pedra da usina de Ilisu, na província vizinha de Mardin, foi colocada em 2006, quando o atual presidente, Recep Tayyip Erdogan, era primeiro-ministro. Ele prometeu que este colosso traria “um grande benefício” aos habitantes.

Ilisu faz parte do Projeto do Sudeste da Anatólia, que quase caiu por terra por uma série de incidentes.

Em 2009, vários investidores suíços, austríacos e alemães se retiraram dele, estimando que carecia de garantias em termos de proteção do meio ambiente e do patrimônio. O governo turco reagiu dizendo que seria financiado com a ajuda de bancos turcos.

O governo se comprometeu a realojar os habitantes de Hasankeyf, e foram construídas mais de 700 casas na parte alta do povoado.

“Não quero nada do Estado, só quero que não toque em Hasankeyf”, protesta com tristeza Ayvaz Tunç.

“A única coisa que peço é que Hasankeyf fique como está, com todo seu esplendor”, acrescenta. “Quero morar aqui. Não quero que a cidade desapareça sob as águas”.

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