Ferreira Gullar: espanto imortalizado nas palavras ditas

Por César Rasec

ferreira-gularPara quem vive no mundo da poesia, a morte de Ferreira Gullar representa mais uma baixa, e grande, na corroída cultura letrada brasileira. Veremos alguns detalhes dessa baixa, nas próprias palavras de Gullar.

Em entrevista para a Revista Civilização Brasileira, em 1965, Gullar disse que “a poesia serve e tem servido para muita coisa: carreira política, ‘papar’ mulher, obter emprego, não se matar, conhecer os outros, ser feliz, alienar-se, conscientizar-se, suicidar-se… (…). À medida que o mundo evoluiu, a poesia o acompanha e se adapta às novas condições.

Não resta dúvida de que o surgimento dos meios de comunicação de massa e a própria cultura de massa deram a outras artes, que não a poesia, papel preponderante no mundo de hoje. Mas, mesmo assim, a poesia continua a ter o seu papel, que a torna mais ou menos importante de acordo com as circunstâncias. Evidentemente, a poesia só poderá ter função no mundo moderno se ela falar dele, se se voltar para os problemas, as lutas e as perplexidades do homem de hoje”.

A resposta de Ferreira Gullar nunca esteve tão atual e precisa, pois tudo é circunstância, como frisou o filósofo espanhol Ortega y Gasset. O poeta de “A luta corporal”, escrito entre 1950 e 1953, tinha total consciência do que estava fazendo, tanto que a explosão desse legado reside em “Poema sujo”, de 1975, quando fez explodir tudo que fora elaborado durante os anos de 1962 e 1975.

Além de dialogar com a poesia concreta dos irmãos Campos (Haroldo e Augusto) e de Décio Pignatari, Ferreira Gullar quis romper a estrutura verbal ao tentar dizer com uma nova forma de poesia aquilo que não foi dito.
Ao longo de uma vida de atuação política de esquerda (foi do Partido Comunista) e depois de crítica aos descaminhos da esquerda, Gullar viu que a poesia é algo que irrompe de onde menos se espera. Diz o poeta imortal em “Extravivo”: “Estou disperso nos vivos/ em seu corpo, em seu olfato,/ onde durmo feito aroma/ ou voz que também não fala./ Ah, ser somente o presente:/ esta manhã, esta sala.”

E o poeta Gullar frisou que escreve porque é movido pelo espanto e deixou de escrever com intensidade porque os espantos foram se tornando raro. Agora, aqui no BocaoNews, o espanto pela morte foi o que me fez escrever, e foi este espanto de perplexidade que tornou Ferreira Gullar mais e mais imortal, pelo menos para mim!

César Rasec
*Doutor em Literatura e Cultura, mestre e Cultura e Sociedade e jornalista

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