Espinhaço de gato

Por Nando da Costa Lima


Não era de hoje que Climério procurava Vitalino, já tinha rodado meio mundo atrás de um curador retado como aquele. Climério era um homem rico e místico, tinha herdado aquilo do pai. O dinheiro ele jogou todo fora fazendo feitiço pra enricar mais ainda, só ficou um alqueire de terra, a sede e uma meia dúzia de guias espirituais que ele ainda conseguia sustentar. Não dava um passo sem consultar estes guias foram eles que indicaram o curandeiro Vitalino como a única solução para aquele problema… era ele que ia ajudar Climério abrir o cofre da prefeitura e recuperar as escrituras dos terrenos que lhe foram tomados. Aquilo nem podia ser considerado roubo, mas para isso era preciso a orientação de um curandeiro de respeito. Vitalino era uma peça rara, além de saber todo tipo de “livusia” ainda “invurtava”, morava socado no meio duma mata onde só ia quem queria algum compromisso com o “tinhoso” e olha que muita gente voltou no meio do caminho. Mas os que lá chegaram acabaram firmando compromisso, teve até conquistense que se deu bem com as garrafadas de Vitalino.

Quando Climério atravessou a mata que separava a casa de Vitalino do resto do mundo, tava decidido. Nem o vento forte roçando nas árvores e assoviando como se fosse gente assustando sua montaria o desanimou. Vitalino já estava na porta da casa quando ele chegou, pareceu até que já esperava. Quando Climério contou pra Vitalino que, custasse o que custasse, ele queria aprender uma reza pra “invutar” abrir o cofre da prefeitura e recuperar suas escrituras. O curandeiro logo se prontificou a ajudar, isto se ele estivesse disposto a se desfazer da montaria e de algum dinheiro. Climério concordou de imediato e foi sentado num pilão num terreiro varrido por arruda e lavado com sal grosso que Vitalino deu a receita: “Inhozin pega um gato preto e bota pra cozinhar durante três dias e três noites, quando a carne separar dos ossos você pega a ossada e, na meia noite de uma sexta-feira, joga na correnteza de um rio. O osso que subir é a chave que você tá precisando, abre qualquer fechadura e você ainda ‘invurta’ (fica invisível)”. Climério anotou aquilo tudo e voltou pra casa satisfeito, nem notou a caminhada.

O difícil foi arrumar um gato totalmente preto, mas logo que achou ele preparou a receita. Quando jogou a ossada do gato na correnteza, não se sabe por que, os ossos menores desceram rio abaixo enquanto que o espinhaço de gato inteiro subiu. Climério pegou aquilo, colocou num embornal e partiu pra prefeitura. Primeiro tentou abrir a porta da frente, não teve jeito, mas aí ele se lembrou de que a receita era pra abrir o cofre. Arrombou a porta e quando tava se aproximando do cofre crente que tava invisível, a polícia chegou e prendeu o arrombador. A sorte foi que quando ele confessou que queria abrir o cofre com aquele espinhaço de gato o juiz achou que era coisa de doido e mandou que o soltassem. Climério saiu da cadeia com tanta raiva que foi bater na casa de Vitalino no mesmo dia. Quando o curandeiro viu a cara de raiva do fazendeiro segurado aquela ossada, foi logo se adiantando: “Já sei, o trabalho não deu certo e o senhor veio aqui me fazer comer esse espinhaço de gato”. Aí Climério respondeu com mais raiva ainda: ”QUEM FALOU EM COMER?”.

Vitalino ficou num estado que não puderam nem trazer pra Conquista, foi o jeito mandar buscar um doutor. E o pior é que falaram que era um problema de osso e em vez de levarem um cirurgião, levaram um ortopedista pra remover o espinhaço de gato de dentro do rabo do curandeiro. O Dr. passou o maior aperto pra desentupir Vitalino no meio daquela mata que nem energia tinha. Hoje Vitalino não tira quebrante, não reza espinhela caída, não “invurta” e não pode ver um gato preto que arrepia até os cabelos da sobrancelha.

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