Cantiga de Roda

Nando (1)Nando da Costa Lima
Nando Minha cidade é mágica, não pertence a este planeta onde é normal ser normal, nós daqui vamos adiante, ultrapassamos as barreiras do mundo convencional. Quando a tristeza encosta me escondo na poesia, rodo todo o universo tentando criar um verso pro meu amor natural. Até os versos tiveram que se disfarçar em prosa ou música para serem assimilados, pois só quem ler versos metrificados são os poetas.

Como o mundo mudou! A tecnologia ofuscou a poesia. É diferente vagar insistentemente tentando parar o tempo e alongar meus momentos nessa terra surreal, o principado dos loucos. Onde quero sempre estar! Quando estou longe, triste e aborrecido, minhas viagens intrínsecas parecem até um exílio, há um cárcere dentro de mim. Mas quando volto a tristeza some, deixo no pé da ladeira tudo que me aborrece. Eu amarro a “dô mardita” no primeiro pé de pau. Chego de alma lavada como se fosse um marujo voltando pra sua amada, sabendo que o tempo passa. Tudo é tenso, é desgastante. Como a verdade faz mal! Tanta saudade… Tento até me encontrar, mas sei… já não estou mais onde queria, o vento carregou tudo, os amores, os amigos, só deixou o pensamento pra me corroer por dentro, afirmando que o que passou ficou lá atrás. E as portas da memória se escancararam, e tudo se mostrou de vez, sem respeitar a cronologia. O menino, o jovem e o homem vendo tudo que Conquista tinha lhe dado de bom e de ruim, as coisas ruins foram logo apagadas… Não vale a pena perder tempo com merda. Tudo misturado: a banda do Clube Social e os rocks do Carrascão tocavam juntos, a Filarmônica acompanhava a trilha sonora daquele delírio. Ou era um sonho, nem sei bem o que era aquilo. Era tudo ao mesmo tempo… E Pedro Moreira fez a última foto do casarão que hoje é um banco. O Bloco dos Caçadores parou em frente ao Bar Gato Preto. O jegue “Pilera” foi morto por atentado ao pudor. Piolho chutou uma bola na trave que ecoou no Lomantão todo… A eguinha de seu Dica deu um coice no saco de Derval que quase capa. Meu compadre Zé Luís começou a sapatear em cima do balcão do bar de Seu Sula e só parou depois que ele nos deu dois conhaques. Ademar e Márcia Galvão quando entrevistados pelo radialista Hélio Gusmão afirmaram que no Clube Social se realizaria um dos maiores bailes carnavalescos da Bahia. O escritor Ramiro Matos lançou seu livro vanguardista “Os morcegos estão comendo os mamões maduros”. E tudo voltou aos seus devidos lugares, Jardim das Borboletas, Bar Lindoya, o galo Rosinha de seu Vane ficou famoso na Bahia inteira, o bar Pinguim, o Beco da Tesoura, a Praça do Gil, Lilita e Cafezinho, a Praça do Jenipapo, Sabino vendendo fiado pela última vez. Até “Dotô” Miranda e Íris Silveira bebendo uísque e escutando Édith Piaf na radiola, Camillo de Jesus Lima e Eratóstenes Menezes nesse dia não estavam bebendo, só falavam em poesia. Tudo misturado num só momento. Eu cheguei a escutar J. Menezes falando que a Rádio Clube estava no ar… Quadros expostos na galeria da mente de um menino que jamais se apagarão. Uma exposição que só ele foi convidado… Para menina arredia! Cante uma cantiga de roda, vê se diminui o passo, como corre esse tempo, meu sapato já está gasto, vê se anda devagar… E o meu amor vai crescendo enquanto fico parado, já mal consigo pensar… Para menina traquina. Pelo menos olhe pra trás, vê se convence o tal tempo a deixar que eu te ame mais.
Para Vitória da Conquista, meu amor.

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