Brasil e EUA lideram retrocessos ambientais, aponta estudo que abrange mais de um século

O resultado do trabalho, que sai na edição desta sexta da revista científica Science, é preocupante: há uma tendência mundial de retrocessos ambientais, acentuada nas últimas duas décadas. E tal movimento é liderado por dois países de proporções continentais: Estados Unidos e Brasil.

“Antes campeões em conservação global, Estados Unidos e Brasil estão agora liderando uma tendência mundial preocupante de grandes retrocessos na política ambiental, colocando em risco centenas de áreas protegidas”, resume comunicado divulgado pela Associação Americana Para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês. “As mudanças regressivas buscam alterar ou remover legalmente o status de proteção e diminuir o tamanho das áreas de conservação natural.”

Nos 126 anos analisados, 73 países promulgaram 3.749 legislações do tipo, resultando na extinção de 519.857 quilômetros quadrados de áreas protegidas – uma área maior do que a Espanha – e no afrouxamento da proteção de outros 1.659.972 quilômetros quadrados – três vezes o tamanho da França.

Reversão da proteção

De acordo com o biólogo e geocientista Bruno Coutinho, diretor de gestão do conhecimento da Conservação Internacional Brasil – e coautor do estudo -, é importante lembrar que a existência de áreas protegidas “não representa a garantia, para sempre, de proteção legal da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos nelas gerados”.”Dizendo de modo claro e simples: áreas protegidas não são para sempre”, disse à BBC News Brasil a bióloga e cientista social Rachel Golden Kroner, responsável pela área de governança ambiental e impactos da ONG nos Estados Unidos e principal autora do estudo. “Elas podem ser e estão sendo revertidas por meio de afrouxamentos de restrições, limites de área reduzidas e extinções completas.”

“A pesquisa mostrou que alterações na legislação ambiental dos países estudados podem comprometer a durabilidade e a eficácia das áreas protegidas, por recategorização, por redução de área ou por extinção completa”, afirmou Coutinho à BBC News Brasil.

Na maioria dos casos (62% do total), o afrouxamento legislativo está relacionado a práticas de extração de recursos e desenvolvimento industrial em grande escala – aqui incluindo para obras de infraestrutura, mineração e agricultura de commodities.

A pesquisa sugere a necessidade de uma discussão estratégica envolvendo os diversos atores que são impactados e impactam as áreas protegidas e seus entornos, compreensão dos efeitos e tratamento dos atos promulgados, bem como a própria manutenção da efetividade das áreas protegidas.

O levantamento ainda mostra uma tendência preocupante: 78% dos atos legislativos do gênero no mundo foram promulgados do ano 2000 para cá. “As reversões legais para áreas protegidas parecem estar se acelerando”, frisa Kroner.

“Respostas políticas são necessárias para salvaguardar os esforços de conservação”, acrescenta ela, destacando que tais processos devem ser “transparentes, baseados em evidências, participativos e responsáveis”. Kroner ainda recomenda que credores e doadores internacionais sempre considerem essa questão quando estiverem tomando decisões de financiamentos.

O caso brasileiro

A pedido da reportagem, a Conservação Internacional destacou os dados brasileiros do levantamento. No total, foram 85 atos legislativos promulgados – todos entre 1900 e 2017 -, afetando uma área de 114.856 quilômetros quadrados, o que equivale a praticamente metade do tamanho do Estado de São Paulo.

“Destes, 60 ocorreram na Amazônia”, pontua Coutinho. Em número, só a região Amazônia teve uma perda de pouco mais de 90 mil quilômetros quadrados de proteção apenas por culpa de mudanças da legislação brasileira.

“A maioria desses eventos, 42 deles, ocorreram após 2010 – grande parte em função de obras de infraestrutura”, acrescenta o biólogo Coutinho. “A causa mais prevalente foram decorrentes de autorizações de barragens de energia elétrica na Amazônia”, enfatiza Kroner.

Conforme dados compilados pela cientista, o Brasil é responsável por 87% dos retrocessos em áreas protegidas da Amazônia, em um levantamento que inclui os outros oito países amazônicos.

“Estamos assistindo a uma aceleração desses retrocessos no Brasil”, comenta ela. “Oitenta e quatro por cento das reduções aprovadas ocorreram desde o ano 2000.”

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